Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

15 junho, 2017

Procura a nudez da página, tem um orgasmo de seda





Não te escondas. Não faças saber que desapareceste. Não vale a pena. Sei-te aí. Ouço a tua respiração. Sinto o calor do teu bafo. Sei-te escondido, espreitando as minhas palavras. Sinto-te. 

Quando a noite cai, pressinto os teus passos silenciosos, conheço os teus disfarces.

Gostavas de poder tocar as minhas mãos que escrevem, não digas que não. Gostavas de poder visitar a minha toca e sentir a minha pele e que eu não te visse. Não digas que não. 

Querias, talvez, lamber a água salgada com que o meu corpo aceso mostra que não te esquece, querias despir uma e outra alça para que a aragem fresca da tua saudade me aquietasse a alma.

Querias, talvez, que eu me deitasse, rendida, perdida, querias que eu deixasse que as tuas pernas se enleassem nas minhas, que os teus dentes cravassem a minha pele, a minha carne, e, mais fundo, o coração que tantas vezes te neguei. Não digas que não. Não digas.

Abeira-te, lince meu, abeira-te, não tenhas medo, deixa que a minha mão percorra o teu pêlo arisco, deixa que a minha boca sinta as palavras que me escondes, deixa que te puxe para mim e te deite na página branca e silenciosa onde te espero. Vem, lince, lince meu, traz poemas, rimas, traz a pena, traz a seda do teu verbo, conquista-me, vence-me com o teu estranho amor. Lince, lince meu.


O lince da tua boca
deitado no meu poema

bebe o corpo dos meus versos
devora-lhe a alma acesa

Com as pernas puxa e enlaça
a linguagem desvenda

com as garras desce-lhe as alças
aceita a febre descalça

Crava os dentes na sintaxe
lambe devagar as letras

sente a rima onde e enreda
possui a escrita sem pena

Procura a nudez da página
tem um orgasmo de seda


['O lince do meu poema' de Maria Teresa Horta in Poesis]



_____________

Fotografias feitas no Ginjal

Edward Elgar - Salut d'Amour Op.12

_________________

4 comentários:

  1. Boa noite! Comecei por ler o outro blogue e olhar aqueles flamingos tão difíceis de fotografar. Li e reli, quando quis comentar não tinha a janelinha para falar consigo e dizer o que pensava. Agora também com o sono esgotei quase por completo. Resta-me dizer que gosto do seu jeito de escrever. Voltarei certamente.
    Aceite um cordial abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Manuel Luís,

      Isto é até vergonha. Só hoje vi o seu comentário. Peço mil desculpas. Obrigada pelo comentário e espero que com esta minha desatenção não tenha resolvido nunca mais me visitar...

      Aceito o abraço. Obrigada outra vez!

      Eliminar
  2. Olá, UJM

    Tenho visitado o seu outro blogue, mas, não tão amiúde como gostaria.
    Queria deixar-lhe uma palavra de apreço, então, aproveito esta janela que deixou aberta.
    Já sabe que gosto muito da sua prosa e é sempre com muito prazer que leio o que escreve. Virei aqui as vezes que forem precisas à espreita dessa outra UJM que muito aprecio, não desfazendo da outra, claro. :)

    Obrigada pelas palavras que me deixou lá no Xaile.

    Beijinhos

    Olinda

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Olinda,

      Sabe que quase me esqueço deste blogue? Com o tempo vou-me concentrando no Jeito Manso. Parece-me que me falta o tempo ou que ando com mais sono. Na volta é aquela coisa de a gente já não ir par anova...

      Obrigada pela visita e elas palavras sempre tão simpáticas. É aquele seu traço de afabilidade que está sempre presente no que escreve.

      Beijinhos.

      Eliminar