As águas estão paradas, pálidas. Fazes-me falta. As águas estão silenciosas. O tempo parou. Não sei de ti. Não recebo flores nem palavras nem o céu se põe azul nem as gaivotas cruzam os céus.
Podias vir até mim. Podias escrever-me uma carta. Podias dizer que te lembras de mim. Podias dizer que, tal como me acontece, também a ti te falta o ar, se esvai o sangue, se ensombra a luz do dia. Podias escrever para que só eu perceba que é para mim que escreves e dizer-me palavras que o teu coração invente. Podias contar-me como, em segredo, sonhas com o dia em que vais ter-me nos braços. Mas não escreves.
Não sei de ti e sinto tanto a tua falta.
Não deixes que para mim o tempo permaneça parado, sem luz, em silêncio.
Não deixes.
Diz-me por onde andas, descreve-me os teus caminhos, espalha rosas no chão que pisas.
Deixa que eu te adivinhe, deixa-me que eu consiga chegar até ti.
Deixa.
Saberás tu como são longas e tristes as noites em que em vão te espero? Saberás como soletro as palavras que de ti recordo para com elas reconstruir o teu nome? Saberás como, em silêncio, chamo o esse teu nome? Saberás como são obscuras as noites em que a tristeza queima o meu coração?
Escreve-me.
Escreve-me até que a aurora te adormeça. Traz-me alguma alegria. Conta-me de ti, enche-me de palavras. Traz-me palavras como se me enchesses de rosas.
Escreve-me.
Há-de vir um dia em que chega a tua carta
e há-de vir um dia em que já aqui não estou
e um momento sem eco a fim de ser silêncio
já sem reverberar da perda nem do dano. E
há-de haver uma noite para todos os cantos
até os mais obscuros nos limites da voz
e outra que se ergue entre todas sonora
de um líquido frio que queima como a neve
e faz ver o sol levantar-se com ela. Essa
voz que conjuga uma e todas as letras
aquelas que ficaram aquém dos alfabetos
num modo de a tristeza se esquecer de si
mesma. E num clarão de luz
ou num rasgo inesperado tornar-se coincidente
o que nasceu partido. E há-de haver um feixe
de rosas muito claras a deitar-se na aurora
com a penumbra das casas. Um chão
onde se acaba o teu caminho e o meu. Onde
possa ir deitar-me numa noite sem fim
em que já nada espero.
['A alegria' de Bernardo Pinto de Almeida in Negócios em Ítaca]
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Concerto para violoncelo de Boccherini numa interpretação de Rostropovich
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