Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

16 outubro, 2015

Há um ponto sem chão nem ponte em que só é preciso abrir os braços e voar.






Com um olhar serás capaz de me tirar o chão. Aprende isso. Com um olhar e um sorriso serás capaz de me tirar o controlo, o raciocínio, tirar-me de mim, com um olhar serás capaz de me deixar disponível para ti. Aprende isso para que percebas que não o deves fazer.

Estou a avisar-te. Prolonga o olhar, prolonga, deixa-te estar assim, parado, a olhar para mim e ver-me-ás sem força, sem armas, sem saber o que fazer, sem saber o que dizer. Olha para mim dessa forma, olha, e sentirás que estás a despir-me, a deixar-me vulnerável, à tua mercê. Por isso, não o faças. O risco é maior do que pensas. Aviso-te: não o faças.

Olha-me, olha-me assim e depois não te queixes se um dia eu te cair nos braços. Olha-me, olha-me. Olha-me assim, de longe, um sorriso clandestino, um sorriso de quem se aventura por terrenos proibidos - sabes que são proibidos, sabes, sabes que sim. 

Olha-me assim se me queres descobrir. Olha-me, sente-me, toca-me a pele, a alma. Olha-me. Olha-me como se estivesses de olhos fechados, apenas a imaginar-me. Olha-me, olha-me nua nos teus braços, as pontes abolidas. Mas depois não te queixes. Avisei-te. Olha-me assim, despudorado, olha-me assim e depois não te admires quando me vires a voar. A voar, a voar. A voar para me aproximar mais e mais e mais de ti. Olha-me, olha-me, mas não te admires quando me sentires alojada no teu coração.



Há um tempo para estar só
há um tempo para estar nu
há um tempo que falta para ser
o bastante uma coisa e outra
há uma ponte em direcção ao tu

que é necessário atravessar e que
é necessário, coragem, minar
e há um ponto sem chão
nem ponte em que só é preciso
abrir os braços e voar.

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O poema pertence a O Quarto Azul e outros poemas de Rui Caeiro

Viajei ao som dos coros da Igreja Ortodoxa Russa

As fotografias foram feitas no Ginjal
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