Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

04 março, 2015

o sonho da matéria com que haverei de lhe tocar a pele dizendo o seu nome






agora a mulher estava no plural
a mulher era potável
a mulher escrevia o missal do seu corpo

um dia o anjo disse - vai à fábula -

então a mulher escolheu escrupulosamente o seu pé esquerdo 
e foi




E então mergulho no azul em busca do teu nome. Quem és? Não sei nem o teu nome.

Diz-me da tua pele, diz-me como brilham os teus olhos. Diz-me de que sombras te escondes ou diz-me a que luz se desnuda a tua alma. Diz-me apenas palavras assim, soltas, livres, palavras sem futuro.

Não quero saber mais, quero apenas adivinhar como bate o teu coração ou a forma como fechas os olhos quando sabes as palavras que nascem de mim. Mulher plural, potável, mulher que se desprende do equilíbrio para se lançar no azul mais limpo, na maresia mais suave, assim sou eu. 

E, sabendo-me assim, meio mulher, meio pássaro, um anjo vem e diz que sobre as águas eu me deite e eu deito-me, e ele diz que sobre mim quer escrever palavras azuis e eu digo que o meu corpo já tem desenhadas as linhas que esperam a sua caligrafia, e ele hesita e diz-me que é de temor que o seu coração bate e eu digo-lhe que escreva todo o silêncio que transporta no seu peito e ele escreve, e eu adivinho palavras inocentes como água, luz, sonho, e depois o anjo e eu olhamos o sol e mergulhamos na luz, numa doce vertigem, e depois vejo que o dia se está a afogar no rio e que tenho que ir e, então, as palavras desprendem-se do meu corpo, e voam e voam e sobre mim começam a tombar fragmentos de luz, lágrimas, sonhos que, mal se desprendem de nós, logo começam a esfumar-se. 

Quando tocar a tua pele direi o teu nome, digo-lhe eu enquanto me dissolvo no azul do céu. E voo. E vou.


Não recordo esse azul, mas sei
que ele se alia ao azul imaginado
pela acústica impressão:

desprende-se a sua voz, bate
no meu rosto, retoma a mais densa
compreensão, o sonho da matéria

com que haverei de lhe tocar a pele
dizendo o seu nome.

......   ......   ......


A música é The Tale of Sweet Sir Galahad  de e por Joan Baez

O primeiro poema é de Catarina Nunes de Almeida in Marsupial da editora Mariposa Azual

O segundo poema é O azul de Wallace Stevens de Luís Quintais in Depois da Música da editora Tinta da China

As fotografias foram feitas no fim de semana e o rio é o Tejo.

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