Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

28 junho, 2013

Às vezes é um sopro que revira o mundo no ventre do tempo


Sou tão mau exemplo. Não consigo dar lições, tirar grandes conclusões. Não sei bem explicar o que faço, porque faço. Não é falsa modéstia, não é mesmo. Não sei citar nomes de personagens, não consigo lembrar-me de excertos que uma vez me prenderam, não consigo decorar poemas. Nada. Gosto, fico presa enquanto leio, vivo ao máximo, e depois apago. Bem, não apago mesmo. Será mais correcto dizer que arquivo. Volta e meia lembro-me de coisas que estão arrumadas no passado. 

Mas desprendo-me do que arquivo porque quero estar sempre muito aberta ao que via acontecendo. Sei, isso sim, que estou disponível para ver o que há para ser visto e viver o inesperado que nos surpreende a cada momento - assim o consigamos perceber.

E não sou dada a saudosismos, não comparo novas situações com anteriores. Recomeço a cada instante e, assim renascendo, vou vendo cada coisa com um olhar que é sempre o primeiro. E assim me deslumbro.

Pode ser uma música, a sonoridade de umas palavras, pode ser uma luz branca tombando sobre o rio, pode ser uma aragem que me levante a saia, pode ser um grito de gaivota, pode ser um gesto, um abraço mais sentido, um beijo dado com o coração. Com tudo me encanto.

Por isso estou sempre preparada para uma nova vida. A ideia do recomeço exerce uma tremenda atracção sobre mim.



[E eis que entra aqui no Ginjal um novo poeta: Nuno Costa Santos, a quem dou as boas vindas. A seguir temos toda a vitalidade esfuziante da orquestra e dos coros juvenis Simón Bolívar conduzida por Gustavo Dudamel que também parece viver em permanente estado de felicidade]



Cair do dia em Cacilhas, rente ao Tejo, de frente para Lisboa



                                                      Às vezes é um insecto que faz disparar o alarme
                                                      um zumbido que detona o coração.

                                                      Às vezes é uma vírgula que tomba na frase
                                                      uma cabeça que desaba num ombro qualquer.

                                                      Às vezes é um fósforo
                                                      que resplandece venturosas entradas
                                                      no dicionário dos dias.

                                                      Às vezes nem isso.

                                                      Às vezes é um sopro que revira o mundo
                                                      no ventre do tempo
                                                      como quem se prepara para uma nova vida.



['Às vezes é um insecto que faz disparar o alarme' de Nuno Costa Santos in 'Resumo- a poesia em 2012]

2 comentários:


  1. Bom dia, UJM

    Foi a minha vez de 'ir à faca'. Está tudo correr bem mas os meus 'enfermeiros' cá de casa não me deixam fazer esforço nenhum, inclusivamente, vir ao computer.

    Voltarei um dia destes. Já tenho saudades de ler os seus belos textos.

    Bjs

    Olinda

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  2. Hiiiii.... que coisa chata... Mas, enfim, o pior já passou não é...?

    Mas, com a experiência que ganhei da coisa, concordo com os seus enfermeiros, deixe que o seu pós-operatório seja tranquilo, sem esforços. Eu, de cada vez que me 'estiquei', dei-me mal. Mas também não pode ficar imobilizada de todo por causa da circulação.

    E isto com estes calores é péssimo. Eu fui operada no início de Julho, estava um calor horrível, e aqui em casa sem fazer nada, foi uma seca... Passava os dias numa indolência que dava nervos.

    Mas passa. Já ando toda ligeirinha.

    Desejo-lhe uma boa recuperação e que aproveite este tempo de 'posio' o melhor possível.

    Beijinhos!

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