Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

28 junho, 2012

Amei-te nas fotografias obscenas


Olha para mim. Regista agora a minha imagem. Repara na cor do céu e na cor do rio, ajusta a entrada de luz. Estou bem assim?

Devo endireitar as costas? Devo deixar descair um pouco o ombro da camisola? Vê lá. Queres que me chegue mais para trás? 

Ou queres, antes, que me deite aqui em cima do muro? Ouve, vê lá como achas que fica melhor. Se quiseres tiro a blusa, não me custa nada. Sabes bem que estou habituada. Não foi assim que me conheceste? E então? Não estamos agora aqui? Tu mesmo dizias que me amavas quando me vias naquelas fotografias obscenas.

Sim, vou despir a blusa e deitar-me sobre o estreito muro e apanhas-me contra o rio como se este fosse fosse uma vasta colcha azul bordada a pontos de luz; e o céu vai parecer a cor dourada das cortinas de veludo de um dossel inventado, que nos ocultará do olhar do mundo.

O que achas? Olha, posso até tirar também as calças, e deito-me assim, não como se estivesse desmaiada mas, sim, bem viva, estátua incompleta que tu virás completar.

Olha, imagina, a minha nudez apenas coberta pelo meu cabelo, como se o meu cabelo fossem algas macias saídas destas águas. Mas coberta também pelo teu olhar. E tu enquadras o meu corpo arqueado, quase vénus ao espelho, e a torre será a parede que me ampara e a luz rosada do entardecer será a cor que dourará a minha pele ainda branca.

Depois, tu disparas e, se ficar bem, a seguir, vens com a tua espátula e começas a moldar o meu corpo, devagar. Eu sou gesso, e tu vens moldar as minhas coxas, as minhas ancas, os meios seios, o meu pescoço dobrado, o meu sexo que te espera.

Diz. Queres? Ou estou melhor assim, sentada de costas, vestida, joelhos abertos, uma mão elegantemente apoiada? Como é que preferes? Diz.

Faço como quiseres, já sabes que, perante uma paisagem assim, fico rendida.




[Bem. Logo abaixo da jovem escultura, poderão ver um belíssimo poema do mais recente livro de Nuno Júdice. Logo abaixo mais um momento de festejo da música com Heitor Villa-Lobos]



Junto à Torre de Belém, num fim de tarde ameno, com o Tejo muito azul, o céu muito limpo e suave 



                                 Amei-te nas fotografias obscenas de
                                 um limiar de acasos, quando a tua voz
                                 desmaiava numa eclosão de ecos. E uma
                                 colcha de silêncios tapou a tua nudez; o inútil
                                 flash da madrugada iluminou os teus olhos; e,
                                 de repente, o sol nasceu de uma enseada
                                 de cabelos, e subiu pelas cortinas do quarto;
                                 lentamente, encostaste a curva do teu joelho
                                 à sombra da parede como se ali ficasse,
                                 no vazio do gesso, a cor da tua pele.



['Escultura' de Nuno Júdice in 'Fórmulas de uma luz inexplicável', edição Maio 2012]

2 comentários:

  1. Pôr do Sol29 junho, 2012

    Óh, Pelo que me parece andou hoje pelos meus lados.
    Este é um dos meus passeios favoritos, embora tenha horas demasiado movimentado devido aos roteiros turisticos, há sempre um cair de tarde calmo com um pôr do sol fantastico.Costumo ir a pé até ao espaço Darwin onde o Tejo nos convida a escutá-lo. Na volta ainda nos cruzamos.

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  2. Olá Querida Pôr do sol,

    Não foi ontem. Tomara que fosse, esta semana e na outra não consegui fazer nenhuma das minhas bem-amadas caminhadas. Esta fotografia deve ter sido tirada há umas 2 semanas, num bocadinho em que lá me esgueirei até à beira do rio, andando devagarinho. Mas sempre fotografando!

    Nesse fim de semana também dei um pequeno passeio pelo Ginjal e, às tantas, foram esses pequenos passeios feitos sem que estivesse ainda boa da maleita que se vinha manifestando que levaram à recaída. Agora, como toda a gente, especialmente o médico, me diz 'Não abuse!' até estou com medo de voltar a fazer os meus passeiozitos.

    Também faço muito esse seu percurso, ou então entre as Descobertas e a Torre de Belém, outras vezes ali na zona mais perto das Docas. Adoro estes percursos, fico sempre revigorada.

    Mas tem razão, um dia destes ainda nos cruzamos mesmo.

    Beijinho, Sol Nascente!

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