Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 novembro, 2011

Quando escreves com uma das mãos prendes o papel

    
Quando escrevo aqui, escrevo com sentimento mais do que com pensamento. Quer a minha mão direita, quer a esquerda são o prolongamento do meu coração. As minhas mãos escrevem, correndo velozes sobre o teclado, semeiam palavras, sem intenção, sem ambição, sem cautela, sem medo. Tento nem pensar, não quero distanciamento, não quero ser cerceada, e escrevo como se falasse, ávida, volátil. Quero que as minhas palavras carreguem tempestades, desejo, paixão ou luz, silêncio, simplicidade.

As minhas palavras sou eu, sem reservas, sem filtros, sem véus, as minhas palavras são laços que estendo a quem as ouve, a quem as lê. Quem segura a ponta desses laços não tem apenas as minhas palavras - segura a minha mão, tem um pouco de mim.



[Se acredita na qualidade dos meus conselhos, peço-lhe então que, depois de ler o belo poema de José Bento, desça um pouco mais. É com saudade que hoje me despeço do ciclo musical que aqui decorreu durante estas semana, 5 Árias e Duetos, e despeço-me com um grande de Portugal, Tomaz Alcaide. Ouçamos juntos a sua fantástica voz num líndissimo trecho de Bizet]

Homem no Ginjal

                         Quando escreves com uma das mãos prendes
                         o papel, que a outra vai lavrando,
                         semeando a palavra e a turbação
                         no impulso que excede
                         a força que as unifica e as separa,

                         sob a luz a prometer que teu ardor
                         ausculta um chão ávido e volátil.

                         Tua destra segue o coração, prolonga-o;
                         a outra, mais perto dele um infindo nada,
                         nunca se distancia nem alheia
                         da matéria da fala

                         que, em tenso adágio ou numa tempestade,
                         de teu sangue transbordam, incorporam
                         desejo e posse, ruína e despedida.



                         (Poema de José Bento in Sítios)

2 comentários:

  1. E que palavras, Jeito Manso!

    Não sei o que é melhor aqui, a sua introdução ou o poema de José Bento.O que sei dizer é que adorei tudo!

    Voltarei para seguir o seu conselho e ouvir o que aqui nos oferece, tão generosamente.

    Bj

    Olinda

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  2. Olinda,

    Muito obrigada pelas sus apalavras, tão gentis. São um incentivo. Que bom que é ter feedback, saber que as nossas palavras tocam algumas alguém.

    Um beijinho, Olinda.

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