Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

27 julho, 2011

O amor aumenta com o amarelecimento do linho, maior quietude rodeia agora a casa lunar

Talvez seja verdade. Talvez que, com os anos, o amor aumente.

Talvez não: é certo.

Melhor: Com os anos, aumenta a capacidade de amar.

Com os anos, percebe-se melhor a efemeridade das coisas, a transitoriedade de todos de nós. Com os anos, os anos que nos restam vão escasseando, há que não se ser mesquinho no seu uso.

E, se o amor se torna mais tolerante, torna-se também mais urgente.

Quanto ao desejo: esse é sempre o mesmo.

Em Cacilhas, casal conversa sobre o Tejo, mesmo de frente para Lisboa

o amor aumenta com o amarelecimento do linho
maior quietude rodeia agora a casa lunar
soçobram do fundo dos espelhos submersos os instrumentos
de muitos e delicados trabalhos
repousam sobre a erva para sempre

só o desejo dalguma eternidade despertaria o terno arado
mas a vida tropeça nos húmidos orgãos da terra
as selvagens flores afligir-te-ão o olhar
por isso inventaremos o necessário ciclo do outono

a noite dilata a viagem
pressentimos a nervosa luta dos corpos contra a velhice
mas nada há a fazer
resta-nos descer com as raízes do castanheiro
até onde se ramificam as primeiras águas e se refaz o desejo

as bocas erguem-se
procuram um rápido beijo no éter da casa


('O amor aumenta' de Al Berto in 'Trabalhos do Olhar')

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