Não te escondas. Não faças saber que desapareceste. Não vale a pena. Sei-te aí. Ouço a tua respiração. Sinto o calor do teu bafo. Sei-te escondido, espreitando as minhas palavras. Sinto-te.
Quando a noite cai, pressinto os teus passos silenciosos, conheço os teus disfarces.
Gostavas de poder tocar as minhas mãos que escrevem, não digas que não. Gostavas de poder visitar a minha toca e sentir a minha pele e que eu não te visse. Não digas que não.
Querias, talvez, lamber a água salgada com que o meu corpo aceso mostra que não te esquece, querias despir uma e outra alça para que a aragem fresca da tua saudade me aquietasse a alma.
Querias, talvez, que eu me deitasse, rendida, perdida, querias que eu deixasse que as tuas pernas se enleassem nas minhas, que os teus dentes cravassem a minha pele, a minha carne, e, mais fundo, o coração que tantas vezes te neguei. Não digas que não. Não digas.
Abeira-te, lince meu, abeira-te, não tenhas medo, deixa que a minha mão percorra o teu pêlo arisco, deixa que a minha boca sinta as palavras que me escondes, deixa que te puxe para mim e te deite na página branca e silenciosa onde te espero. Vem, lince, lince meu, traz poemas, rimas, traz a pena, traz a seda do teu verbo, conquista-me, vence-me com o teu estranho amor. Lince, lince meu.
O lince da tua boca
deitado no meu poema
bebe o corpo dos meus versos
devora-lhe a alma acesa
Com as pernas puxa e enlaça
a linguagem desvenda
com as garras desce-lhe as alças
aceita a febre descalça
Crava os dentes na sintaxe
lambe devagar as letras
sente a rima onde e enreda
possui a escrita sem pena
Procura a nudez da página
tem um orgasmo de seda
['O lince do meu poema' de Maria Teresa Horta in Poesis]
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Fotografias feitas no Ginjal
Edward Elgar - Salut d'Amour Op.12
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