Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 setembro, 2015

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, a essa hora dos mágicos cansaços, quando a noite de manso se avizinha, e me prendesses toda nos teus braços


A sul perdem-se-me os pensamentos: voam nas asas das gaivotas que daqui partem desalmadas, livres, sem raízes, procurando o fim dos tempos, o azul mais azul, o mar sem fim para onde fogem as almas sem rumo, sem dono, sem destino.

Descanso de sonhos, de mil lutas, de luzes que cegam, de asas que voam deixando o corpo para trás, descanso de abraços sonhados, de poemas dedicados, de beijos inventados, descanso de palavras desatinadas, de palavras aladas. E de mil trabalhos, de um tempo que corre, que escorre, que se esvai. descanso de não ter janelas, de não ter um ar com cheiro a relva ou a laranjeiras, de não pisar a terra, de não caminhar todos os dias sobre as águas. E de não ter borboletas e pássaros voando junto a mim, de não ter flores a nascer-me do cabelo nem risos a sair-me do coração como músicas de crianças.

Mas não descanso de quem me ama, de quem vive guardado no meu coração, de quem me deseja e que me tem debaixo da sua pele, dos olhares que me olham com ternura e volúpia, das mãos que me procuram, das palavras que me são ditas com descarado amor, de tudo, de tudo, que nunca poderei soltar no ar nem deixar ir nas asas das gaivotas perdidas.

A sul eu não me perco de ti, a sul eu guardo-me para ti, meu amor. 

E, agora que tombam sobre nós estes mágicos cansaços e que a noite se avizinha, prende-me nos teus braços, amor, aperta-me nos teus quentes abraços e deixa que o azul destes mares do sul nos embale, amor, deixa, deixa. E fecha os olhos, amor, e faz-me sonhar.






Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


['Se tu viesses ver-me de Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"]

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Pedro Abrunhosa interpreta Eu não sei quem te perdeu

As fotografias foram feitas em Lagos 

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