Se o meu tempo é tão escasso porque me detenho aqui deixando palavras soltas na noite, nos incertos dias, escrevendo não me perguntem para quem?
Sei que, de vez em quando, pessoas invisíveis passam por esta minha casa, e, já que a porta está sempre aberta, entram, sobem as escadas e sei que espreitam o rio, sinto a sua presença silenciosa ao meu lado quando me ponho à janela. Não digo nada, não quero que se vão, e deixo-me ficar, também eu invisível, imóvel, agradecida.
Virão de longe, talvez, talvez do outro lado do mar, do outro lado do mundo. Não me dizem nada e eu, aqui calada, temo que algum dia deixem de vir, que me esqueçam, ou que algum dia eu, sem querer, os tenha magoado e que, magoados, deixem de falar comigo. Se algum dia isso aconteceu mil desculpas peço, foi sem querer, foi sem querer, foi sem querer.
Virão de longe, talvez, talvez do outro lado do mar, do outro lado do mundo. Não me dizem nada e eu, aqui calada, temo que algum dia deixem de vir, que me esqueçam, ou que algum dia eu, sem querer, os tenha magoado e que, magoados, deixem de falar comigo. Se algum dia isso aconteceu mil desculpas peço, foi sem querer, foi sem querer, foi sem querer.
É curto o meu tempo. Curto. Passa a voar. E eu, que tenho tantos sonhos, sinto que devo apressar-me.
Misturo-me com as flores querendo sentir o que sentem as flores, olho longamente os movimentos das gaivotas, tento sentir o que sentem quando voam, passo a mão pelas pedras molhadas, cobertas de limos macios, quero sentir o que sente a pedra quando banhada pelo rio e quero sentir o que sente o rio quando acaricia as pedras macias que encontra pelo caminho.
Leio mil livros, mil, mil, muitas mil palavras, querendo sentir a alucinação afortunada que sentem as palavras que encontram o seu destino, querendo sentir o que sentem as palavras quando se misturam com o olhar de quem as lê ou com a respiração de quem as diz, em silêncio. E quero ser a luz, a luz infinita que cruza as imensas trevas.
E tenho tão pouco tempo para ser e sentir tudo isto.
Pilar da Ponte 25 de Abril parecendo flutuar no céu num dia de névoa e frio (avistado do Ginjal) |
[Na despedida de Claudio Abbado]
Sinfonia nr. 5 - Adagietto de Mahler - conduzida por Claudio Abbado
Sondar
a linguagem das trevas
dormir
na neve dos limites
atravessar
flores distraídas
Decifrar
numa pedra fria
letras a arder
entrar
em comboios remotos
no olho gigante
das estações do fim do mundo
Ser
um sinal
lançado ao acaso na noite
deixar
noutra boca
o gosto de uma ausência
Temos tão pouco tempo
tão pouco sonho
tão pouco
['Tão pouco' de Ernesto Sampaio in Feriados Nacionais]
*
Sem fôlego
De mais versos
Tolhem-se-me
Os poemas,
Palavras brumas
Murmúrios
Silêncios ocos
Nos intervalos vazios
Do meu tempo.
['O tempo ... e tão pouco' de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]
Olá UJM!
ResponderEliminarO tempo ..e tão pouco
Sem fôlego
De mais versos
Tolhem-se-me
Os poemas,
Palavras brumas
Murmúrios
Silêncios ocos
Nos intervalos vazios
Do meu tempo.
um abraço
Olá Joaquim,
EliminarQue bom receber estes poemas que conversam com as minhas palavras e com os poemas que aqui escolho. Coloquei-o lá em cima como é bom de ver.
Muito obrigada!
Mesmo num tempo de não ter tempo, há sempre tempo para a outra margem, mesmo que as palavras não me acompanhem na travessia.
ResponderEliminarOlá jrd,
EliminarO tempo esvai-se e, quando se gosta muito da vida e de tudo o que ela tem para nos oferecer, parece que o tempo é ainda mais veloz.
Mas, enfim, que vamos tendo vontade para passar para a outra margem mesmo que o tempo o não permita.
Um abraço.
Cara UJM,
ResponderEliminarhoje, neste inferno de dores alheias, transbordando na excessiva procura, regresso ao seio das suas palavras que me aprazem ler, reler e até, como tantas vezes, meditar.
No sofrimento dos que me rodeiam, busco a coragem, o momento exacto para lhes deixar algumas das flores literais que me permite colher do seu jardim.
Sim, quantas vezes me apetece deixar uma flor no seu ginjal, onde flutuam palavras plenas de sentido, de sonhos possivelmente exequíveis
Tão curto é seu tempo, como as vidas que aqui fluem no gomil do tempo e se entregam às palavras e actos que bebo em muitas fontes, como a sua.
Efémeros somos todos, mas não deixamos de repetir gestos, palavras e tudo quanto se esvai nessa densa efemeridade
Podemos ter pouco tempo para sentir tudo quanto almejamos, mas devemos senti-lo até que os sentidos se embotem.
Acredito que sendo efémera a vida não será motivo para efemerizar o seu verdadeiro sentido.
Deveremos insistir na procura da luz , essa mesma luz que cruza as imensas trevas que pretendemos desvendar.
Felicidades e muita saúde.
Ah dbo, como são sempre tão bonitas as suas palavras. São palavras generosas como um abraço amigo. Leio-as com vagar, com gosto. Sabem-me bem. São as flores de que fala, perfumadas, belas, cheias de luz.
EliminarMuito obrigada.
E muita saúde e felicidade para si também.