Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

04 novembro, 2013

Recolho os ramos secos, a luz da oliveira no seu azeite


Era lugar de guerras, rainhas, cortes. Depois foi palco de revoluções, cultura, luz. E foi, depois, lugar de progresso, de fraternidade, de ilusão, de libertação.

E, depois de trevas, de um terror feito de negrume e abjecção, de novo a grande ave renasceu, longas asas, um insaciável gosto por largos horizontes.

E a seguir quis-se mais mas, nessa altura, já os homens grandes estavam de saída e os pequenos e ignorantes empregados tomavam conta de tudo como uma praga de pequenos animais que não param de se reproduzir.

Os palácios antigos e os novos palácios passaram a estar ocupados por uniformes civis, todos iguais, e, dentro dos uniformes, gente sem rosto, gente sem pátria, sem moral. Pequenos mercenários, cães sem a grandeza humana dos cães, insignificantes porcos sem a utilidade dos porcos, baços papagaios sem a graça dos papagaios. Comandam  o destino de milhões de pessoas com a incompetência trôpega e ridícula de uma tropa fandanga.

A Europa está de luto. De toda a ilustra gente sobrou num rebanho de cegos, de vesgos, de criaturas que a vista não consegue abarcar num espaço trágico, um côro de vítimas, um choro surdo de quem se perdeu na vida e por ela continua a arrastar-se, sem esperança, sem futuro.

Os europeus estão de luto.




[A seguir ao tugúrio que, de dia para dia, mais parece desmoronar-se, recebemos, de novo, a visita de Armando Silva Carvalho, alguém que fala palavras desassombradas. Mais a baixo, continuamos com a menina que tem o calor a embalar-lhe a voz]


A caminho do Ginjal



                                       Sou um europeu de luto,
                                       recolho os ramos secos, a luz da oliveira no seu azeite
                                       magro
                                       e que me ilumina.
                                       Choro a irmã, acolho este coro de vítimas,
                                       e sigo tropeçando num rebanho
                                       de cegos, de vesgos,
                                       de criaturas que a vista não consegue abarcar
                                       num espaço trágico.


                                       [Poema 42 de Armando Silva Carvalho in 'De amore']

1 comentário:

  1. Cara UJM,
    perante uma Europa caduca que se arrasta em lenta agonia, num autêntico suicidário, apetece cantar elegias funéreas e gritar, com lágrimas de sangue o Salmo 130 da Vulgata:
    De profundis clamavi ad te, Domine; Domine, exaudi vocem meam. Fiant aures tuæ intendentes in vocem deprecationis meæ.
    (Das profundezas clamo a ti, ó Senhor; Senhor, ouve a minha voz. Que teus ouvidos estejam atentos ao meu pedido, por graça.).

    Na realidade os europeus estão de luto, um luto escuríssimo que cega os vivos e não enaltece os que partiram. E tudo, medite-se bem, sob o cadenciado turíbulo de um maniqueísta turiferário português…

    Haja, ao menos, muita saúde! Felicidades.

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