Era lugar de guerras, rainhas, cortes. Depois foi palco de revoluções, cultura, luz. E foi, depois, lugar de progresso, de fraternidade, de ilusão, de libertação.
E, depois de trevas, de um terror feito de negrume e abjecção, de novo a grande ave renasceu, longas asas, um insaciável gosto por largos horizontes.
E a seguir quis-se mais mas, nessa altura, já os homens grandes estavam de saída e os pequenos e ignorantes empregados tomavam conta de tudo como uma praga de pequenos animais que não param de se reproduzir.
Os palácios antigos e os novos palácios passaram a estar ocupados por uniformes civis, todos iguais, e, dentro dos uniformes, gente sem rosto, gente sem pátria, sem moral. Pequenos mercenários, cães sem a grandeza humana dos cães, insignificantes porcos sem a utilidade dos porcos, baços papagaios sem a graça dos papagaios. Comandam o destino de milhões de pessoas com a incompetência trôpega e ridícula de uma tropa fandanga.
A Europa está de luto. De toda a ilustra gente sobrou num rebanho de cegos, de vesgos, de criaturas que a vista não consegue abarcar num espaço trágico, um côro de vítimas, um choro surdo de quem se perdeu na vida e por ela continua a arrastar-se, sem esperança, sem futuro.
Os europeus estão de luto.
[A seguir ao tugúrio que, de dia para dia, mais parece desmoronar-se, recebemos, de novo, a visita de Armando Silva Carvalho, alguém que fala palavras desassombradas. Mais a baixo, continuamos com a menina que tem o calor a embalar-lhe a voz]
A caminho do Ginjal |
Sou um europeu de luto,
recolho os ramos secos, a luz da oliveira no seu azeite
magro
e que me ilumina.
Choro a irmã, acolho este coro de vítimas,
e sigo tropeçando num rebanho
de cegos, de vesgos,
de criaturas que a vista não consegue abarcar
num espaço trágico.
[Poema 42 de Armando Silva Carvalho in 'De amore']
Cara UJM,
ResponderEliminarperante uma Europa caduca que se arrasta em lenta agonia, num autêntico suicidário, apetece cantar elegias funéreas e gritar, com lágrimas de sangue o Salmo 130 da Vulgata:
De profundis clamavi ad te, Domine; Domine, exaudi vocem meam. Fiant aures tuæ intendentes in vocem deprecationis meæ.
(Das profundezas clamo a ti, ó Senhor; Senhor, ouve a minha voz. Que teus ouvidos estejam atentos ao meu pedido, por graça.).
Na realidade os europeus estão de luto, um luto escuríssimo que cega os vivos e não enaltece os que partiram. E tudo, medite-se bem, sob o cadenciado turíbulo de um maniqueísta turiferário português…
Haja, ao menos, muita saúde! Felicidades.