Cálamos jazentes nas praias de outono, sol dourado espraiado nos areais cansados, pássaros ausentes, ninguém, nada, até as águas se recolheram sem deixarem sequer conchas, ramos. Nada. Apenas o esqueleto de árvores de outras paragens. Corpos desenraizados.
Onde os cabelos das mulheres que se entregaram aos deuses que habitam as cavernas profundas, onde o olhar feliz dos deuses que as possuem, onde os cavalos que antes passavam sôfregos pela rebentação das ondas, onde o voo libertino das gaivotas loucas?
Ansiedade, um estranho silêncio, espera, braços que se erguem ao céu para logo caírem sem alento, olhos vazios, paredes que o tempo cobrirá daquela decadente velatura que anuncia a derrota, a sombra de gatos que partiram, lamentos, penas.
Já não há ninguém para sequer tentar perceber o que aconteceu. Partiram todos. E levaram consigo a explicação para tamanho abandono. É setembro e talvez a seguir venha o choro, as chuvas, o frio.
Nunca se está suficientemente mal, têmo-lo aprendido.
[Abaixo da árvore arrastada pelo Tejo até à praia do Ginjal, um poema de Vasco Graça Moura. Logo a seguir um momento que prenuncia o reencontro que talvez aconteça lá para a Primavera: o trio de Keith Jarrett interpreta uma música linda]
Numa praia do Ginjal |
serão estes os cálamos
calados de setembro?
onda trazendo vénus
seus cabelos dispersos?
ou água aproximando
sedas de sombra e luz
do nó cego intrincado, da
troca indesatável?
será esta a luz rasa
da praia perturbada? a velatura
de alguma flora útil? a medula
dos lugares de setembro?
este é o rigor da ansiedade,
o reencontro.
['nó cego, o regresso', X, de Vasco Graça Moura in poesia reunida]
Uma belíssima prosa poética, a sua, que parece ter sido escrita com "cálamos".
ResponderEliminarAbraço