Torpes pequenos seres, cruéis seres, inimputáveis criaturinhas, míseras, míseras criaturinhas. Juntam-se em bandos e destroem as casas, as ruas. Atacam as pessoas, roem-lhes a carne, os ossos, sugam-lhes o sangue, depois de lhes terem retirado o ânimo, a esperança.
Por onde passam fica a ruína. Assistimos à falência, ao desmoronar do que parecia sólido, do que custou tanto a construir. Um dó.
De dia, de noite, sempre, sempre. Já lá vão dois anos. E a desgraça continua sem que os consigamos deter. Somos plasticina, somos menos que isso, somos nada. Estamos a ser desfeitos às mãos imaturas e cruéis de impiedosos e ignaros pequenos seres.
[Abaixo da casa em ruínas, chega de novo um Poeta muito cá da casa, Luís Filipe Castro Mendes e chega trazendo novas dos tempos de chumbo que atravessamos. A seguir, música e intérpretes portugueses: os Dead Combo]
Uma parede partida e pintada no Ginjal |
Pouca realidade nos cerca de noite,
quando todos se calam à nossa volta
e as coisas se acomodam no escuro, como se fosse o seu natural.
E nós, que deixámos toda a espantosa realidade do mundo
amassar-nos até aos ossos,
olhamos para a noite com a estranheza
de não podermos mais ser nós próprios.
Somos blocos de plasticina entregues a mãos infantis
e cruéis.
['Noite impassível' de Luís Filipe Castro Mendes in 'Lendas da Índia']