Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 junho, 2013

Ficam sombras nem sempre as nossas


Se caminhas por entre o arvoredo, por entre a névoa, só tu, só tu e as tuas memórias, e não sabes se vais perdido, se o caminho tem um sentido, não pares, não te desvies, vai onde os teus passos te levam.

São tantas e tão altas as árvores, tanta a sombra e não sabes se a sombra é abrigo, se é um limite. Mas não penses nisso, esquece as sombras.

Não sabes onde te levam os teus passos, e as sombras navegam, perdidas, à tua volta. Não sabes para onde vais mas que isso não te deixe preso ao passado. Podias estar a andar em círculo, tantas as dúvidas, tantas vezes os mesmos pensamentos. Mas avança, avança. Nem olhes para trás. Se deixas um rasto, se passas como um vulto imaterial, que interessa isso? 

Não penses.

Nada sabes, nada saberás. Se tentas perceber o que te trouxe aqui, não sabes bem. Foram os teus passos, sim, mas foram mil acasos, mil, mil, nem sabes quantos mil. Não interessa, avança, procura o que está à tua frente.

Ouves vozes que te prendem, sombras que te enleiam, memórias que nem sabes se são tuas, se são alheias, se apenas as sonhaste ou temeste. Não interessa. Avança. Mantém-te de pé. Nada temas. A vida é uma passagem. Breve. 

Talvez lá mais à frente esteja um abismo mas deixa. Se estiver, voa. Voa. Voa no meio do imenso silêncio.




[Estreia-se aqui hoje um Poeta. Nunca antes tinha ouvido falar dele mas agora não o vou largar: João Vasco Coelho. A seguir uma música muito bela composta e interpretada por José Valente, em memória de Bernardo Sassetti]


Homem caminha num dia cinzento no Jardim do Ginjal



                                                       As árvores crescem como o passado

                                                       o passado não é fácil
                                                       ficam sombras

                                                       nem sempre as nossas.



                                                      [Árvore' de João Vasco Coelho in 'Na ordem do dia']

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As árvores crescem como o passado…
… passado que cresce na dor das raízes que vais pisando enquanto caminhas por entre o arvoredo, envolto na névoa do esquecimento das tuas silentes memórias. 
Perdido, segues um fio de luz, na busca de um trilho, sem desvios, que mostre a linha que faça sentido e te leve onde o passado te clama.

O passado não é fácil…
… quando caminhas entre o arvoredo e não vês o limite entre a fantasia das sombras e o teu próprio medo. Desconheces o rumo de teus passos, a incerteza das tuas dúvidas e o ónus dos teus pensamentos. Segues a tua jornada de busca e vais deixando, na leveza da viagem, o aroma do teu rasto.

Ficam sombras…
… ignotas vozes e memórias que dormem entre a marginal dos teus anseios e o cerne dos teus sonhos. No entanto, avanças, sem temor, na busca de uma breve passagem que te mostre a essência das sombras. Deslumbrado voas para além da quietude do abismo onde, outras sombras, haverá…

Nem sempre as nossas…
… sim, nem sempre as nossas sombras fazem resplandecer o nosso passado deixando recordações auspiciosas. Contudo esse passado continuará a crescer como as árvores…e vice-versa.



[Texto de dbo num comentário aqui abaixo]

6 comentários:

  1. Cara UJM,
    mais uma vez vou divagar um pouco nas suas palavras que entremearei com os quatro versos, ordenados, de João Vasco Coelho. Com a minha ousadia espero não atropelar as vossas ideias, pois apenas desejo partilhar o espírito e usufruto da beleza das vossas palavras e sentimentos.
    ***


    As árvores crescem como o passado…
    …passado que cresce na dor das raízes que vais pisando enquanto caminhas por entre o arvoredo, envolto na névoa do esquecimento das tuas silentes memórias.
    Perdido, segues um fio de luz, na busca de um trilho, sem desvios, que mostre a linha que faça sentido e te leve onde o passado te clama.

    O passado não é fácil…
    …quando caminhas entre o arvoredo e não vês o limite entre a fantasia das sombras e o teu próprio medo. Desconheces o rumo de teus passos, a incerteza das tuas dúvidas e o ónus dos teus pensamentos. Segues a tua jornada de busca e vais deixando, na leveza da viagem, o aroma do teu rasto.

    Ficam sombras…
    …ignotas vozes e memórias que dormem entre a marginal dos teus anseios e o cerne dos teus sonhos. No entanto, avanças, sem temor, na busca de uma breve passagem que te mostre a essência das sombras. Deslumbrado voas para além da quietude do abismo onde, outras sombras, haverá…

    Nem sempre as nossas…
    …sim, nem sempre as nossas sombras fazem resplandecer o nosso passado deixando recordações auspiciosas. Contudo esse passado continuará a crescer como as árvores…e vice-versa.

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    1. Olá dbo,

      Gosto muito de dizer - e já aqui o disse várias vezes - que das palavras nascem palavras. As palavras com vida própria a gerarem outras palavras ou com outras palavras pela mão. foi o que pensei ao ler os meus pensamentos em palavras suas ou partes das minhas palavras entre pensamentos seus.

      É um prazer enorme isto, para mim.

      Muito obrigada!!!!

      PS: Coloquei o seu texto lá em cima, acho que ali estarão entre amigos.

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  2. Quando deixamos muitas sombras pelo caminho é porque não soubemos fruir do sol em toda a sua plenitude.

    Abraço

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    1. Pois é, jrd, concordo mesmo. Eu sinto-me sempre muito leve, não me arrependo de quase nada, não guardo ressentimentos, dou-me bem com toda a gente. Gosto da luz, não carrego sombras. Do que leio de si, acho que o mesmo deve acontecer consigo: de bem com a vida, sempre receptivo ao que a vida lhe vai oferecendo.

      Obrigada.

      Um abraço!

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  3. Não sabes onde te levam os teus passos, e as sombras navegam, perdidas, à tua volta.
    Talvez lá mais à frente esteja um abismo mas deixa. Se estiver, voa. Voa. Voa no meio do imenso silêncio.


    As árvores crescem como o passado

    o passado não é fácil

    ficam sombras


    nem sempre as nossas.




    [Árvore' de João Vasco Coelho in 'Na ordem do dia']

    ---~
    ...não pude deixar de reler, ler e voltar a ler...4 frases curtas que encerram uma vida, o mundo inteiro...e com isso sinto sobre os ombros um peso que não alivia nunca, nunca...São as sombras...

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  4. Olá!

    As sombras podem ser um peso, nuvens pesadas, prestes a diluviar sobre nós. Ou podem ser asas. Eu, por mi, tendo a optar pela segunda hipótese.

    Obrigada pelo seu comentário.

    Volte sempre que, por aqui, encontrará quase sempre leveza, não sombras pesadas.

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