Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

05 junho, 2013

É no meio das noites e dos improváveis sonhos


Conta-me, Poeta, das palavras que nascem no segredo da noite, conta-me de como levantas as pedras nos caminhos nocturnos em busca da palavra mais rara, de como olhas a lua tentando descobrir uma mulher branca, de facto transparente, que esconda palavras leves como asas, conta-me, Poeta.

Percorres os dias, ofereces sorrisos, distribuis farpas, amas a musa e os filhos, escreves, olhas a luz, abrigas-te na sombra, os deveres, as devoções, tudo certo. Mas é à noite, quando soltas os sonhos, quando as rolas arrulham, meigas, e se aninham, quando os gatos se enroscam desfiando velhas sabedorias, quando as gaivotas se enlaçam nos rochedos, quando as árvores abrigam mulheres perdidas, é à noite que tu és rei do teu reino inventado, e as palavras descem, bailarinas improváveis, doces companheiras, amantes indecentes.

É isso, Poeta?

Conta-me. Conta-me com as tuas palavras tão leves.



[Hoje, uma vez mais, e já tantas são as vezes, o Poeta-Embaixador chega-se até aqui e as suas palavras perfumam a beira do rio.

A seguir continua a música desconcertante (para mim e talvez por enquanto) de Luciano Brio hoje numa interpretação também muito curiosa.]



Pequena pintura numa parede do Ginjal



                                                    Saldo do dia, o poema:
                                                    o deve e o haver, o peso, o custo
                                                    e tudo o mais que não fica na memória.

                                                    É no meio da noite
                                                    e dos improváveis sonhos.



                                                    ['Saldo do dia' de Luís Filipe Castro Mendes in Lendas da Índia]

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Eu conto:

Porque gosto
de agarrar as palavras
de lhes abrir as entranhas
e redescobrir tesouros
apagados pelo tempo.
Porque gosto
de sentir
o rumor transparente
de um verso,
de escutar
os sentidos sentidos
de um sentido
sou poeta.
Um poeta de merda
mas um poeta!



['Eu conto', poema de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]

4 comentários:

  1. JOAQUIM CASTILHO05 junho, 2013

    Olá UJM!


    Eu conto:


    Porque gosto
    de agarrar as palavras
    de lhes abrir as entranhas
    e redescobrir tesouros
    apagados pelo tempo.
    Porque gosto
    de sentir
    o rumor transparente
    de um verso,
    de escutar
    os sentidos sentidos
    de um sentido
    sou poeta.
    Um poeta de merda
    mas um poeta!

    Um abraço

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    Respostas
    1. Olá Joaquim,

      Claro está que não concordo nada, nada, com a conclusão e, para dizer a verdade, ia embalada a ler e quando vi a conclusão até me ri, mas, seja como for, adorei ler o que escreveu. O 'rumor transparente', o 'sentido sentido' - essa estranha leveza que percorre as veias dos poetas e os faz escrever palavras tão especiais, tão cheias de musicalidade , mesmo que a musicalidade contenha apenas silêncio.

      Muito obrigada.

      O seu poema já lá está em cima.

      Um abraço e um grande dia!

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  2. Pôr do Sol06 junho, 2013

    Olá Jeitinho,

    Ainda bem que aqui o clima é outro.

    Porque tambem é uma amante do Tejo e da nossa Lisboa, trago-lhe um presente que encontrei entre as páginas de um velho livro por onde me passiei hoje.
    É um sonho, simples e candido de que não sei autor mas de que gostei de recordar.

    Tive um sonho precioso
    que me fez muito ditoso!
    Sonhei que a nossa Lisboa
    em doce se transformava

    Ah! Mas que coisa tão boa!
    Óh! Mas que coisa tão rara!

    Os predios eram de açucar
    açucar cristalizado
    e cada pedra da rua
    era um grande rebuçado!

    A estátua de D.José
    era de açucar pilé!
    O Tejo que nunca treme
    era todo leite creme!

    As nuvens eram farófias
    que cresciam em castelo...
    e os candeeiros da rua
    eram grandes caramelos!

    (e como todo o sonho acaba...)

    Mas tudo foi sonho vão,
    uma fantasia inglória!
    e quando estendi a mão...
    agarrei a palmatória!

    Espero que goste, tem uma simplicidade comovente, que nos ajuda a esquecer
    este mundo complicado.

    Um abraço e uma boa quinta feira.


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    1. Querida Pôr do Sol,

      Se gostei... e já vai ver quanto.

      Muito obrigada.

      Um grande abraço, Sol Nascente!

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