Conta-me, Poeta, das palavras que nascem no segredo da noite, conta-me de como levantas as pedras nos caminhos nocturnos em busca da palavra mais rara, de como olhas a lua tentando descobrir uma mulher branca, de facto transparente, que esconda palavras leves como asas, conta-me, Poeta.
Percorres os dias, ofereces sorrisos, distribuis farpas, amas a musa e os filhos, escreves, olhas a luz, abrigas-te na sombra, os deveres, as devoções, tudo certo. Mas é à noite, quando soltas os sonhos, quando as rolas arrulham, meigas, e se aninham, quando os gatos se enroscam desfiando velhas sabedorias, quando as gaivotas se enlaçam nos rochedos, quando as árvores abrigam mulheres perdidas, é à noite que tu és rei do teu reino inventado, e as palavras descem, bailarinas improváveis, doces companheiras, amantes indecentes.
É isso, Poeta?
Conta-me. Conta-me com as tuas palavras tão leves.
[Hoje, uma vez mais, e já tantas são as vezes, o Poeta-Embaixador chega-se até aqui e as suas palavras perfumam a beira do rio.
A seguir continua a música desconcertante (para mim e talvez por enquanto) de Luciano Brio hoje numa interpretação também muito curiosa.]
Pequena pintura numa parede do Ginjal |
Saldo do dia, o poema:
o deve e o haver, o peso, o custo
e tudo o mais que não fica na memória.
É no meio da noite
e dos improváveis sonhos.
['Saldo do dia' de Luís Filipe Castro Mendes in Lendas da Índia]
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Eu conto:
Porque gosto
de agarrar as palavras
de lhes abrir as entranhas
e redescobrir tesouros
apagados pelo tempo.
Porque gosto
de sentir
o rumor transparente
de um verso,
de escutar
os sentidos sentidos
de um sentido
sou poeta.
Um poeta de merda
mas um poeta!
['Eu conto', poema de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]
Olá UJM!
ResponderEliminarEu conto:
Porque gosto
de agarrar as palavras
de lhes abrir as entranhas
e redescobrir tesouros
apagados pelo tempo.
Porque gosto
de sentir
o rumor transparente
de um verso,
de escutar
os sentidos sentidos
de um sentido
sou poeta.
Um poeta de merda
mas um poeta!
Um abraço
Olá Joaquim,
EliminarClaro está que não concordo nada, nada, com a conclusão e, para dizer a verdade, ia embalada a ler e quando vi a conclusão até me ri, mas, seja como for, adorei ler o que escreveu. O 'rumor transparente', o 'sentido sentido' - essa estranha leveza que percorre as veias dos poetas e os faz escrever palavras tão especiais, tão cheias de musicalidade , mesmo que a musicalidade contenha apenas silêncio.
Muito obrigada.
O seu poema já lá está em cima.
Um abraço e um grande dia!
Olá Jeitinho,
ResponderEliminarAinda bem que aqui o clima é outro.
Porque tambem é uma amante do Tejo e da nossa Lisboa, trago-lhe um presente que encontrei entre as páginas de um velho livro por onde me passiei hoje.
É um sonho, simples e candido de que não sei autor mas de que gostei de recordar.
Tive um sonho precioso
que me fez muito ditoso!
Sonhei que a nossa Lisboa
em doce se transformava
Ah! Mas que coisa tão boa!
Óh! Mas que coisa tão rara!
Os predios eram de açucar
açucar cristalizado
e cada pedra da rua
era um grande rebuçado!
A estátua de D.José
era de açucar pilé!
O Tejo que nunca treme
era todo leite creme!
As nuvens eram farófias
que cresciam em castelo...
e os candeeiros da rua
eram grandes caramelos!
(e como todo o sonho acaba...)
Mas tudo foi sonho vão,
uma fantasia inglória!
e quando estendi a mão...
agarrei a palmatória!
Espero que goste, tem uma simplicidade comovente, que nos ajuda a esquecer
este mundo complicado.
Um abraço e uma boa quinta feira.
Querida Pôr do Sol,
EliminarSe gostei... e já vai ver quanto.
Muito obrigada.
Um grande abraço, Sol Nascente!