Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 maio, 2013

No Dia do Trabalhador, 1 de Maio de 2013, O Operário em Construção e Trova do Vento que Passa - Vinicius de Moraes e Manuel Alegre




"Operário em Construção" de Vinicius de Moraes. 
Música "Sonata ao Luar" de Beethoven. 
Narração de Diego Gonçalves. Algumas das fotos são de Sebastião Salgado


Era ele que erguia casas 
Onde antes só havia chão. 
Como um pássaro sem asas 
Ele subia com as casas 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia 
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo 
Que a casa de um homem é um templo 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 


De fato, como podia 

Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia... 
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um operário em construção. 


Mas ele desconhecia 

Esse fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia 
À mesa, ao cortar o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
- Garrafa, prato, facão - 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 


Ah, homens de pensamento 

Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela. 


Foi dentro da compreensão 

Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
- Exercer a profissão - 
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão: 
A dimensão da poesia. 


E um fato novo se viu 

Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 


E foi assim que o operário 

Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção: 


Notou que sua marmita 

Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 


E o operário disse: Não! 

E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 


Como era de se esperar 

As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
- "Convençam-no" do contrário - 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 


Dia seguinte, o operário 

Ao sair da construção 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 


Em vão sofrera o operário 

Sua primeira agressão 
Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão. 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo o seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 


Sentindo que a violência 

Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que o foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando-a ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
- Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Porque a mim me foi entregue 
E dou-o a quem bem quiser. 
Dou-te tempo de lazer 
Dou-te tempo de mulher. 
Portanto, tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te faz dizer não. 


Disse, e fitou o operário 

Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
A marca de sua mão. 
E o operário disse: Não! 


- Loucura! - gritou o patrão 

Não vês o que te dou eu? 
- Mentira! - disse o operário 
Não podes dar-me o que é meu. 


E um grande silêncio fez-se 

Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão. 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Com o medo em solidão. 


Um silêncio de torturas 

E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão. 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
Uma esperança sincera 
Cresceu no seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção.




Trova do Vento que Passa, letra de Manuel Alegre

(interpretado por Vitorino e outros, cujo nome desconheço, na aCapella em Coimbra)


Trova do vento que passa
 Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.


Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.


Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.


Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.


Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.


Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.


E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.


Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.


Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).


Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.


E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.


Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.


E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.


Quatro folhas tem o trevo

liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.



Sem comentários:

Enviar um comentário