Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 maio, 2013

David Mourão-Ferreira, vida e obra - dita por ele próprio, cantada por Amália, conversada por Vasco Graça Moura e, ainda, poema ilustrado por alunos da Prof. Isabel Pinheiro da Escola Secundária D. Filipa de Lencastre




Retrato de rapariga, dito pelo próprio David Mourão-Ferreira


Muito hirta de pé no patamar do sono
Contornando sem pressa a curva de uma artéria
Por mais ocasional que fosse o nosso encontro
dava-me a entender que estava à minha espera
Com um livro na mão com um lenço ao pescoço
uma expressão cansada a palidez inquieta
de quem andasse ao vento ou trouxesse no rosto
em vez de pó-de-arroz um pó de biblioteca
surgia de repente onde sempre estivera
em Zurique em Paris em Liège em Colónia
Por único endereço uma carreira aérea
Mas não sei se era louca ou apenas mitómana
Onde quer que eu a visse uma coisa era certa
Numa rua num bar num museu numa doca
dava-me a entender que estava à minha espera
dava-me a entender que se chamava Europa




Ladainha dos póstumos natais, dito pelo próprio David Mourão-Ferreira


'Uma singela homenagem aos que perdi. Pais e avós'


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito



Abandono, fado interpretado por Amália Rodrigues, com música de Alain Oulman e letra de David Mourão-Ferreira 

(Dedicado aos deportados do Tarraval ou aos prisioneiros de Peniche?)


Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Foi de noite numa noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia.

Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar.




Temos cinco Sentidos
São dois pares e meio de asas

Como quereis o equilíbrio?


[David Mourão-Ferreira]

Trabalho realizado pela turma da Professora de Português, Isabel Pinheiro, da Escola Secundária D. Filipa de Lencastre.



David Mourão-Ferreira, vida e obra, por Vasco Graça Moura


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