Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

20 abril, 2013

Nasce para a mudez mas, como a música, respira por sons


Quando o sol se deita envolto em fulgor, deixando-nos deslumbrados, está, de facto,  a enganar-nos. Não é o sol que se deita. É a terra, esta bola em cima da qual nos movemos, que vira as costas ao sol. Não tem mal: é apenas mais um pequeno equívoco.

Quando achamos que é sólida e eterna esta terra a que pertencemos, esquecemo-nos que não é completamente sólida, muito menos eterna. Estamos de passagem, insignificantes, efémeros. Não, não pertencemos a este planeta azul que se desloca num imenso e solitário espaço sideral, um espaço onde apenas se ouve a música dos longínquos deuses.

Mas assim somos nós, contraditórios, alheados, iludidos. Vivemos esquecidos do mundo em que vivemos, vivemos no desconhecimento do que se passa à nossa volta ou, mesmo, do que se passa dentro de nós - e achamos que somos o centro do mundo. Não tem mal: é apenas um pouco engraçado.

Julgamos que sabemos muito mas nada sabemos, julgamos que importamos mas somos não mais que ínfimas partículas de pó, ínfimos pontos de luz. Contradições. Equívocos. 

Apesar de tudo isso, continuo a procurar a luz mais límpida, a absoluta ausência de cor, a pureza mais transparente, e o silêncio mais limpo. Continuo  a alimentar-me de sonhos, continuo a procurar a palavra mais perfeita, de todas a mais simples, a mais luminosa, a que transporte em si o grande, grande silêncio. Continuo, sim. Como se tivesse todo o tempo do mundo para os encontrar. Não faz mal: é apenas uma ilusão quase infantil.

E continuo a tentar que do meu coração jorre, como água pura, o afecto mais verdadeiro, como se o mundo inteiro dele precisasse, como se a terra fosse não uma pequena esfera flutuando no imenso espaço sideral mas a fonte onde todos os meus amigos vão beber. Não faz mal: são apenas ilusões, sonhos abstractos e bondosos que voam à minha volta quando de mim nascem brancas e infinitas asas.



[Abaixo de mais um poema de Inês Lourenço, temos mais uma virtuosa interpretação de Yuja Wang que, com Prokofiev, se despede de nós. Mas é apenas um até já porque vou querer que ela venha visitar-nos muito mais vezes]


Há pouco, ao fim do dia, Lisboa e o Tejo anoitecidos, enquanto o sol incendeia os céus



                                                    Falas muito
                                                    de silêncio, nos
                                                    teus livros, como
                                                    alguém que jejua
                                                    entregue a lautos
                                                    banquetes. É essa
                                                    a contradição do poema. Nasce
                                                    para a mudez, mas
                                                    como a música, respira
                                                    por sons.


                                                    [Silêncio' de Inês Lourenço in 'Câmara Escura']

**


Pôr do sol
Pôr de luz
Pôr do dia
Pôr do vento.
Repousa o tempo
no sulco da noite
aguardam manhãs
no silêncio nosso
um novo despertar.



[Poema de Joaquim Castilho num comentário abaixo]

5 comentários:


  1. Quanta verdade nas suas palavras! Somos pequenos pontos neste imenso Universo. O que nos salva são os sonhos, a fantasia, a Alma que nos leva a desejar mais do que aquilo que conseguimos albergar. Mas, como bem diz, não faz mal: alimentamo-nos de sonhos e ilusões e que eles não nos faltem nunca.

    Um bom fim de semana.

    Bj

    Olinda

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  2. JOAQUIM CASTILHO (QUIM)20 abril, 2013

    Olá UJM!

    Pôr do sol
    Pôr de luz
    Pôr do dia
    Pôr do vento.
    Repousa o tempo
    no sulco da noite
    aguardam manhãs
    no silêncio nosso
    um novo despertar.

    um abraço

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    1. Tempo de pousar, de pensar. Tempo de preparar um recomeço. Muito obrigada!

      Um abraço!

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  3. Cara UJM:

    Depois de ver o seu comentário em "Traçados sobre nós", à volta do meu pequeno poema de ontem, tenho que concordar que há coisas muito curiosas (não diria "misteriosas", mas que sabemos nós dos deuses?).

    Quem orienta as palavras?

    Saudações cordiais,

    J. Rodrigues Dias

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    1. Olá!

      Não é? Que sabemos nós? Quando as palavras convergem sem que se perceba como, como se se abrissem caminhos para elas, que sabemos nós?

      Um abraço!

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