Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

21 fevereiro, 2013

Fomos a noite e os corpos e esses nós com que a noite se atava e desfazia


Chega o dia e limpamos a noite que se nos colou à pele. Tão boa a noite quando os nossos corpos se juntam contra o frio que nos chega da rua.

Abro as cortinas para que o luar banhe os nossos corpos e tu percorres com os teus dedos as geografias onde o luar se acolhe no meu corpo. Eu sou da lua e gosto que o luar entre nos meus poros, acaricie os meus seios, as minhas pernas. E tu gostas de sentir o luar no calor da minha pele.

E eu dispo-te também e, em ti, o luar esconde-se ou és tu que, sôfrego, devoras a luz branca e suave da lua. Percorro-te também com os dedos, depois com os lábios, com a língua. Beijo o luar que pousou no teu corpo insubmisso.

Afastas o cabelo do meu rosto, queres ver como te olho quando o luar une os nossos corpos. Olho-te e há paz no meu olhar e há paz também no teu. A noite envolve-nos, dá-nos casa, e nós abrigamo-nos um no outro, tu dentro de mim, abrigado, apaziguado, eu dentro do teu coração.

E depois a lua desfaz-se e mil estrelas descem sobre nós.

E tu perguntas-me, também viste as estrelas? e eu sorrio e digo, já sabes que gosto de ficar a ouvir o silêncio, não me faças perguntas. Sorris e eu gosto de te ver sorrir.

Mas eis que o dia chegou. Trouxeste-me para a beira do rio. Vem ver a grande cidade, vem ver o rio, vem respirar a largueza deste lugar. E eu sigo-te, quero que me mostres tudo mas, com malícia, peço-te cuidado, não deixes que as estrelas que guardaste nos bolsos voem para longe. Quero vê-las, de novo, logo à noite.

Sorris, finges que estás cansado. Quem é que falou em paz...?!, pareces queixar-te Mas eu sei que brincas, que mal vais poder esperar que o luar se estenda de novo sobre a nossa cama.



[Abaixo de um poema de Manuel Alegre, um Poeta com assento cativo aqui no Ginjal, mais uma grande interpretação de Yo-Yo Ma, desta vez uma interpretação bem imprevista: Piazzollla. Espero que gostem]


De frente para Lisboa



                                                      Nós fomos noite e noite até ser dia
                                                      nós fomos noite e a noite fomos nós
                                                      fomos a noite e os corpos e esses nós
                                                      com que a noite se atava e desfazia

                                                      Fomos a noite e o que sobrava dela
                                                      e o que sobrava dela foram luas
                                                      que circulam à volta de uma estrela
                                                      ora nas minhas mãos ora nas tuas


                                                      ['Nós' de Manuel Alegre in 'Nada está escrito']

*


E quantos vezes tu foste cometa
deixando rastos de luz breve passagem
meus olhos rasos de chuva nas estrelas
(sonhando) quis ir contigo na viagem

[Poema de 'Era uma Vez' num comentário aqui abaixo]

4 comentários:

  1. E quantos vezes tu foste cometa
    deixando rastos de luz breve passagem
    meus olhos rasos de chuva nas estrelas
    (sonhando)quis ir contigo na viagem

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    1. Olá Erinha,

      O poema voou lá para cima, levado por um cometa.

      As minhas palavras são mais lentas e só hoje estou a responder aos comentários aqui no Ginjal.

      Muito obrigada, gostei muito, as suas palavras estão sempre cheias de luz.


      beijinhos!

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  2. À noite não há nós para quando ela e ele dizem nós...
    :)

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    1. Nem mais, jrd. E se os houver, não há nós que eles não desatem. :)

      Um abraço!

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