Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

15 janeiro, 2013

Perco-me à vista da pedra onde o mar vem largar a pele


Olho o rio já tão perto do oceano e, só de olhar, já lhe sinto o sal. Aqui mesmo, neste preciso lugar, molhei eu os meus lábios em ti, meu amor. Estavas salgado e não sei se era da maresia, se era suor, se eram lágrimas. Choravas, então, lembras-te? Impuro, impuro, dizias para ti próprio, punias-te em surdina.

Com desvelos de mãe, eu secava a água que escorria do teu corpo, meu amor, não és impuro, não és. E beijava-te, meu menino, meu amor. Mas tu não querias absolvição.

Aqui, neste recanto, numa outra noite, provei o sabor do teu corpo, ainda tu sussurravas lamentos, não contes a ninguém, não contes, jura que não contas. E eu afagava o teu cabelo e dizia, juro, juro, mas agora esquece. E tu esqueceste e foste meu, meu lindo, meu amor.

Aqui, onde o rio se agita, se espraia, se endoidece, endoideceste tu, nos meus braços, meu amor, a pele macia, o coração agitado, o corpo engalanado, e eu, meu amor, todo teu, amante de corpo e alma, corpo em festa, meu doido, meu doido, fica comigo até que a manhã desponte, fica, fica, que eu canto-te canções de embalar, fica que eu digo-te poemas de amor e saudade, fica, fica.

Mas não ficaste. Eras, sempre foste, amor de passagem, incerto companheiro. Não aceitavas o que o teu corpo te pedia, não te aceitavas o que o teu coração e a tua cabeça te diziam. Fugias. 

Foges sempre. Mesmo agora, quando te procuro e vejo nos teus olhos o amor e o desejo por mim, tu foges, foges de mim. Foges de ti. Mas sabe, meu amor, que, haja o que houver, eu espero por ti.



[Pela segunda vez aqui o poeta Luís Miguel Nava que tão bem cantou o amor junto ao mar. A seguir há mais um momento feliz, Teresa Salgueiro e José Carreras. Haja o que houver.]


Rente ao Tejo, no jardim do Ginjal


                               
                                              O mar, venho ver-lhe a pele a rebentar
                                              ao longo das falésias, o que sempre
                                              me traz a exaltação desses rapazes que circulam
                                              por Lisboa no verão.
                                              O mar está-lhes na pele. Partilho
                                              com eles os quartos das pensões, sentindo as ondas
                                              a avançar entre os lençóis. Perco-me à vista
                                              da pedra onde o mar vem largar a pele.



                                              ['Na pele' de Luís Miguel Nava in Poesia Completa 1979-1994]


*


É necessário
Domar as frases
Moldar as palavras
Para que se aproximem
Do amor que sentimos
Que queremos escrever.
As cores, as formas, 
A loucura
Como as vivemos
Como as queremos ter vivido
Como imaginámos, 
Algum dia,
Tê-las mesmo vivido
À sombra de um qualquer mar!



[Poema da autoria de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]

2 comentários:

  1. O meu comentário ao seu belíssimo o seu texto:

    É necessário
    Domar as frases
    Moldar as palavras
    Para que se aproximem
    Do amor que sentimos
    Que queremos escrever.
    As cores, as formas,
    A loucura
    Como as vivemos
    Como as queremos ter vivido
    Como imaginámos,
    Algum dia,
    Tê-las mesmo vivido
    À sombra de um qualquer mar!


    um abraço


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    1. Olá Joaquim,

      Que bonito. Como as palavras lhe saem assim, alinhadas, domadas, em poema. Já lá coloquei em cima, onde devem estar.

      E já viu que o poema tem a forma de um peixe? Deve ser porque as palavras sabiam que falavam de mar.

      Muito obrigada.

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