Olho o rio já tão perto do oceano e, só de olhar, já lhe sinto o sal. Aqui mesmo, neste preciso lugar, molhei eu os meus lábios em ti, meu amor. Estavas salgado e não sei se era da maresia, se era suor, se eram lágrimas. Choravas, então, lembras-te? Impuro, impuro, dizias para ti próprio, punias-te em surdina.
Com desvelos de mãe, eu secava a água que escorria do teu corpo, meu amor, não és impuro, não és. E beijava-te, meu menino, meu amor. Mas tu não querias absolvição.
Aqui, neste recanto, numa outra noite, provei o sabor do teu corpo, ainda tu sussurravas lamentos, não contes a ninguém, não contes, jura que não contas. E eu afagava o teu cabelo e dizia, juro, juro, mas agora esquece. E tu esqueceste e foste meu, meu lindo, meu amor.
Aqui, onde o rio se agita, se espraia, se endoidece, endoideceste tu, nos meus braços, meu amor, a pele macia, o coração agitado, o corpo engalanado, e eu, meu amor, todo teu, amante de corpo e alma, corpo em festa, meu doido, meu doido, fica comigo até que a manhã desponte, fica, fica, que eu canto-te canções de embalar, fica que eu digo-te poemas de amor e saudade, fica, fica.
Mas não ficaste. Eras, sempre foste, amor de passagem, incerto companheiro. Não aceitavas o que o teu corpo te pedia, não te aceitavas o que o teu coração e a tua cabeça te diziam. Fugias.
Foges sempre. Mesmo agora, quando te procuro e vejo nos teus olhos o amor e o desejo por mim, tu foges, foges de mim. Foges de ti. Mas sabe, meu amor, que, haja o que houver, eu espero por ti.
[Pela segunda vez aqui o poeta Luís Miguel Nava que tão bem cantou o amor junto ao mar. A seguir há mais um momento feliz, Teresa Salgueiro e José Carreras. Haja o que houver.]
Rente ao Tejo, no jardim do Ginjal |
O mar, venho ver-lhe a pele a rebentar
ao longo das falésias, o que sempre
me traz a exaltação desses rapazes que circulam
por Lisboa no verão.
O mar está-lhes na pele. Partilho
com eles os quartos das pensões, sentindo as ondas
a avançar entre os lençóis. Perco-me à vista
da pedra onde o mar vem largar a pele.
['Na pele' de Luís Miguel Nava in Poesia Completa 1979-1994]
*
É necessário
Domar as frases
Moldar as palavras
Para que se aproximem
Do amor que sentimos
Que queremos escrever.
As cores, as formas,
A loucura
Como as vivemos
Como as queremos ter vivido
Como imaginámos,
Algum dia,
Tê-las mesmo vivido
À sombra de um qualquer mar!
[Poema da autoria de Joaquim Castilho num comentário aqui abaixo]
O meu comentário ao seu belíssimo o seu texto:
ResponderEliminarÉ necessário
Domar as frases
Moldar as palavras
Para que se aproximem
Do amor que sentimos
Que queremos escrever.
As cores, as formas,
A loucura
Como as vivemos
Como as queremos ter vivido
Como imaginámos,
Algum dia,
Tê-las mesmo vivido
À sombra de um qualquer mar!
um abraço
Olá Joaquim,
EliminarQue bonito. Como as palavras lhe saem assim, alinhadas, domadas, em poema. Já lá coloquei em cima, onde devem estar.
E já viu que o poema tem a forma de um peixe? Deve ser porque as palavras sabiam que falavam de mar.
Muito obrigada.