Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

24 janeiro, 2013

O seu desejo é o desejo de tornar habitável o deserto


E se um dia atravessasses a beira do velho casario, andasses pelos muros, roçasses a beira do caminho com o teu desamor, se desperdiçasses a carícia da aragem, e se, apenas, apenas, caminhasses como quem caminha para um destino que não existe?

                    A humidade fresca e luminosa que sobe do rio rasga as lembranças daquele que sonha sozinho e que desenha palavras num pensamento que abandona a beira do rio.

                    Não é um deserto, não é, mas ele não vê quem mergulhe as mãos no calor das suas entranhas, quem sopre segredos envoltos em carícias. Não é um deserto mas é como se fosse. 

                   Estivesse por aqui aquela que um dia respirou o ar que ele respirou, dissesse as palavras que ele, em silêncio, pensou, procurasse o corpo que um dia a visitou - e ele pousaria as defesas, entregaria o desamor, aceitaria os seios que viessem pousar nas suas mãos. 

Mas, pensa, e se um dia o desejo que sobe no interior do teu corpo exige que recolhas as reservas e busques aquela que um dia desapareceu e que espera que, um dia, a chames?

... E se um dia...? E se esse dia for hoje? 

Pensa nisso.

Eu estou à espera.



[Abaixo de mais um poema de António Ramos Rosa, um novo momento feliz e que feliz é: Martinho da Vila encanta Katia Guerreiro]


Praias do Ginjal em dia de acalmia no Tejo




                                      Talvez seja o momento de.
                                      Mesmo sem esperança. E ele escreve:
                                      nenhum impulso para ti
                                      neste espaço deserto.

                                      Ele perscruta entre as pedras e as sombras.
                                      Nada vê. Ignora. Olha.
                                      Que traços são estes,
                                      qual a origem destas palavras nulas?

                                       Ele escreve. O seu desejo é o desejo
                                       de tornar habitável o deserto.


                                       ['O momento de' de António Ramos Rosa in Antologia Poética]

*


Teu peito
cofre de afectos
de medos, de sonhos,
de memórias,
escondido, enterrado
sob as tuas colinas brandas
onde é doce adormecer.
E eu
Que me embalo 
Adormecido
No silêncio do teu carinho
No aconchego manso
Do teu regaço
Tu que me ofereces 
A tua sombra
E te repousas 
No meu cansaço.
E eu 
Em ti.



[Poema de Joaquim Castilho em comentário aqui baixo]

4 comentários:

  1. Olá UJM!

    Belíssimo o seu dorido texto!
    Dá-me licença que a acompanhe?

    Teu peito
    cofre de afectos
    de medos, de sonhos,
    de memórias,
    escondido, enterrado
    sob as tuas colinas brandas
    onde é doce adormecer.
    E eu
    Que me embalo
    Adormecido
    No silêncio do teu carinho
    No aconchego manso
    Do teu regaço
    Tu que me ofereces
    A tua sombra
    E te repousas
    No meu cansaço.
    E eu
    Em ti.

    um abraço

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    1. Olá Joaquim,

      Muito obrigada pelas suas palavras e pelo seu belo poema que tão bem, tão galantemente, acompanha as minhas palavras.

      Já coloquei o poema lá em cima onde fica tão bem.

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  2. Um texto e um poema como dois oásis...

    :)

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    1. jrd,

      E as suas palavras que bem me sabem. Muito obrigada.

      Um abraço.

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