Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 novembro, 2012

Portugal não é pátria mas país



Deste rio partiam, antes, grandes homens em pequenas embarcações. Grande e desconhecido era o mundo, mas grande era também o sonho e a ambição. Partiam e enfrentavam as ondas, as marés, os ventos, os rochedos, os medos, os ameaçadores medos. Lá iam. E vinham as carências, as doenças, a morte. Mas os grandes homens em pequenas embarcações não se apequenavam. Levantavam a cabeça, entregavam o peito às intempéries e lá iam, mãos rijas, pernas fortes, lá iam cruzando os mundos.

Há tanto tempo foi isso. Terão sido mesmo portugueses? Éramos tão diferentes assim?

O homem que, de torso nu, de pé no cais, tira o peixe da água, vê os veleiros que regressam de tão longínqua odisseia e pensa que tomara que o peixe morda o isco para ter comida para o jantar.

Para bem dele não se lembra de perguntar: onde a pimenta e o açafrão? onde o ouro? onde? onde os outros mundos? onde o futuro? onde a coragem, a bravura, a ambição da nossa gente? onde? onde os grandes portugueses? 

O homem espera o peixe que tarda e pensa ah se o peixe não vem, que comida ponho em cima da mesa? 

Mas depois, cansado de esperar, solta um sentido lamento, ah rio que não te fazes ao mar, ah português que não te agigantas...!



[E, por lamento, logo abaixo do belo poema de Ruy Belo, temos o Lamento de Dido. É Purcell que se vai despedindo aqui no Ginjal]



No cais do Ginjal, sobre o Tejo, de frente para Lisboa



                                           Plantados como árvores no chão
                                           ao alto ergueis os vossos troncos nus
                                           e o fruto que produz a vossa mão
                                           vem do trabalho e transparece à luz

                                           Nenhum passado vale o dia-a-dia
                                           Sonho só o que vós me consentis
                                           Verdade a que de vós só irradia
                                             - Portugal não é pátria mas país



                                          ['Aos homens do cais' de Ruy Belo in Homem de palavra(s)]


2 comentários:

  1. Onde nos perdemos? Onde deixámos a força que nos levou mar fora, em busca do desconhecido?
    Quem nos tornou em meros fantoches, sem alma nem sangue?
    Gostei do texto e da poesia de Ruy Belo, que me tocou muito.
    Abraço
    Mary

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    1. Agora aparecem aí um de cada nação, uns funcionários, e os que nos governam e nos deviam defender, dobram a espinha e deixam que um povo inteiro seja empobrecido e humilhado.

      Antes fomos um povo que deu novos mundos ao mundo. Agora somos uns pobres zés-ninguém. Fico passada com isto. Que irritação. E viu aquele discurso ridículo do Cavaco Silva? O homem não anda bem. E era ele a única pessoa que agora nos poderia tirar disto... Mas como, naquele estado?

      O poema de Ruy Belo é muito bom. Também gostei muito.

      Um abraço, Mary!

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