Hoje é um desses dias. Não me reconheço em grande parte dos que me cercam. Sou diferente. Pareço idêntica, tenho duas pernas, dois braços, na aparência falo a mesma língua, aparentemente percebo o que querem, o que fazem.
Mas só eu sei como me sinto tão distante. Andam às voltas, não saem do mesmo sítio apesar de andarem sempre à pressa, dizem coisas que não interessam ou que não fazem sentido, interessam-se muito por coisas efémeras e irrelevantes, interessam-se mais por coisas do que pelos outros a quem não ouvem nem conhecem. Aquietam-se quando se deveriam revoltar, acatam quando deveriam desobedecer, vergam-se quando se deveriam erguer.
Parecendo igual, em dias assim sinto-me uma estranha.
Em dias assim, vendo que não consigo mudar o mundo, busco a noite. Entro pela noite dentro, procuro as águas, mergulho nas ondas, uma e outra e outra e eu submersa, tentando purificar-me, libertar-me.
Então, quando o silêncio invade o meu peito, por momentos ouço o meu nome, o meu nome soprado, cantado, sussurrado.
Não estranho. Sei quem assim chama por mim, quem assim tenta embalar-me. São os anjos, os anjos de grandes asas, os que habitam os meus grandes espaços. E fico tranquila, os anjos sabem o meu nome, reconhecem-me. Talvez apareçam para me tranquilizar, talvez saibam que, em dias assim, me sinto melhor sozinha no meio da noite, debaixo das águas tingidas com o negrume da noite, tocada pelo seu sopro mágico, do que no meio de gente que me é tão estranha, tão estranha, meu deus.
Então, quando o silêncio invade o meu peito, por momentos ouço o meu nome, o meu nome soprado, cantado, sussurrado.
Não estranho. Sei quem assim chama por mim, quem assim tenta embalar-me. São os anjos, os anjos de grandes asas, os que habitam os meus grandes espaços. E fico tranquila, os anjos sabem o meu nome, reconhecem-me. Talvez apareçam para me tranquilizar, talvez saibam que, em dias assim, me sinto melhor sozinha no meio da noite, debaixo das águas tingidas com o negrume da noite, tocada pelo seu sopro mágico, do que no meio de gente que me é tão estranha, tão estranha, meu deus.
Em dias como o de hoje não quero voltar aos dias áridos cheios de gente assim, tenho medo de me ver cercada por quem não saiba sequer o meu nome, medo que os meus anjos me abandonem. Oh deus.
[Abaixo da gaivota solitária, um belo poema de Sophia e, logo a seguir, a música de Froberger para nos tirar daqui.]
Em Cacilhas, gaivota caminha pensativamente pela beira do cais, acompanhada apenas pelo seu próprio reflexo |
No mar passa de onda em onda repetido
o meu nome fantástico e secreto
que só os anjos do vento reconhecem
quando os encontro e perco de repente
[Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen in 'No tempo dividido']
:.:.:
DISTÂNCIA
Distância
É a estrada longa que nos resta
Quando o tempo se estende
Para além da esperança
E os rostos se diluem em névoa.
Procuramos
Estranhos recantos
Lugares de Primavera
No peso agreste da memória.
SILÊNCIOS
Encontrar o silêncio
quando os dias se rasgam
de gritos ácidos
e os ouvidos se enchem
de bandos loucos de palavras vãs.
Encontrar o silêncio
onde a Paz se acolhe
e o vazio se enche
de sombras brancas.
Silêncio,
quando a angústia se esvai
e o olhar voa
como chama matutina.
Encontrar o Silêncio e morar nele
até que nos encontremos
e um sorriso se abra em nós.
GUNDULA STEGLITZ
.:.:.
PARA TI
Caso não saibas
minha querida Tá
hoje
escreveste um poema (e ai de quem disser que não)
esvaziaste de tédio a tua alma
organizaste desencantos espaços e memórias
e retomada a tua arrumação
cobriste a tristeza com asas de anjo...
(não ouvi nem discursos nem mentiras
recuso...não quero...não quis)
e quanto a ti
gosto bem mais de sentir zangada... furiosa... mas feliz
Era uma Vez
(em comentário abaixo)
DISTÂNCIA
Distância
É a estrada longa que nos resta
Quando o tempo se estende
Para além da esperança
E os rostos se diluem em névoa.
Procuramos
Estranhos recantos
Lugares de Primavera
No peso agreste da memória.
SILÊNCIOS
Encontrar o silêncio
quando os dias se rasgam
de gritos ácidos
e os ouvidos se enchem
de bandos loucos de palavras vãs.
Encontrar o silêncio
onde a Paz se acolhe
e o vazio se enche
de sombras brancas.
Silêncio,
quando a angústia se esvai
e o olhar voa
como chama matutina.
Encontrar o Silêncio e morar nele
até que nos encontremos
e um sorriso se abra em nós.
GUNDULA STEGLITZ
(em comentário abaixo)
.:.:.
PARA TI
Caso não saibas
minha querida Tá
hoje
escreveste um poema (e ai de quem disser que não)
esvaziaste de tédio a tua alma
organizaste desencantos espaços e memórias
e retomada a tua arrumação
cobriste a tristeza com asas de anjo...
(não ouvi nem discursos nem mentiras
recuso...não quero...não quis)
e quanto a ti
gosto bem mais de sentir zangada... furiosa... mas feliz
Era uma Vez
(em comentário abaixo)
Compreendo perfeitamente que depois da entrevista lamentável do PPC a que assistiu , fechando cada vez mais as nossas perspectivas de futuro se sinta
ResponderEliminarmansamente desesperada e procure distâncias e silêncios.
Mais um texto belíssimo embora carregado de cansaço e de uma certa amargura procurando refúgio junto de um anjo salvador.
Todos nos passamos por esses momentos embora não o saibamos expressar tão bem!
DISTÂNCIA
Distância
É a estrada longa que nos resta
Quando o tempo se estende
Para além da esperança
E os rostos se diluem em névoa.
Procuramos
Estranhos recantos
Lugares de Primavera
No peso agreste da memória.
SILÊNCIOS
Encontrar o silêncio
quando os dias se rasgam
de gritos ácidos
e os ouvidos se enchem
de bandos loucos de palavras vãs.
Encontrar o silêncio
onde a Paz se acolhe
e o vazio se enche
de sombras brancas.
Silêncio,
quando a angústia se esvai
e o olhar voa
como chama matutina.
Encontrar o Silêncio e morar nele
até que nos encontremos
e um sorriso se abra em nós.
GUNDULA STEGLITZ
Caro Joaquim Castilho,
EliminarAgora sim. Agora sinto-me com vontade de levar os poemas de Gundula Steglitz para o local onde são bem visíveis e onde suas as palavras dialogam com os de Sophia.
Já lá os coloquei e que bem que ficam. Que belas palavras, que bem ela percebe as minhas palavras. Vai ver é um dos anjos que sabe o meu nome, que chama por mim quando saio por aí a voar.
Muito obrigada.
PARA TI
ResponderEliminarCaso não saibas
minha querida Tá
hoje
escreveste um poema(e ai de quem disser que não)
esvaziaste de tédio a tua alma
organizaste desencantos espaços e memórias
e retomada a tua arrumação
cobriste a tristeza com asas de anjo...
(não ouvi nem discursos nem mentiras
recuso...não quero...não quis)
e quanto a ti
gosto bem mais de sentir zangada... furiosa... mas feliz
Querida Era uma Vez,
EliminarUma vez mais as suas palavras vêm dar-me o braço. Leio-as e fico tão feliz, revejo-me tanto nas suas palavras.
Claro que também já estão lá em cima.
Hoje teve companhia. Gundula Steglitz, uma misteriosa figura, escreve poemas também com a facilidade e leveza de quem tem a alma cheia de poesia. Hoje, Erinha, as suas palavras juntam-se às de Sophia e, também, às de Gundula.
Muito obrigada. Fico muito feliz com isto. Fico comovida.
Um beijinho, Erinha!
Era uma Vez e Joaquim Castilho: hoje não vou escrever nada aqui para que, quem me visite, possa ver bem os vossos poemas. Obrigada aos dois!
ResponderEliminarEm nome da Gundula Steglitz, agradeço a distinção ao ter colocado os seus poemas junto da Sophia, poetisa de sua eleição!
ResponderEliminarObrigado
Olá Joaquim Castilho,
EliminarAs palavras de Gundula, as que conheço, são palavras que trazem em si o silêncio e a luz. Também por isso estão muito bem ao pé de Sophia.
Obrigada eu. A sério.
Não sou nada.
ResponderEliminarNunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
É apenas o início de um grande poema do grande Fernando Pessoa, que gostaria de lembrar aqui no dia do aniversário da sua morte há precisamente 77 anos.
O Ferrrnando (como diz a Bethânia, e que bem ela o diz!) adorava Lisboa, e aposto que muitas vezes esteve no cais das colunas a olhar para o Ginjal...
Quem sabe se ainda não olha, e vê a nossa Jeitinho a fotografar as 'panteras tristes', ele que também fazia poemas aos gatos!
Gato que brincas na rua...
Bj
Antonieta
Olá Antonieta,
EliminarFez muito bem em assinalar a memória da data. Eu sou péssima para datas, para datas de tudo, aniversários, 'dias de', tudo. Sei a data de aniversário do núcleo mais restrito e, mesmo assim, sabendo que sou despassarada para datas, tomam o cuidado de me ir alertando...
Acho que escolheu muito bem o poema com que começou o seu texto. Pela parte que me toca, diria que é um poema que fica muito bem aqui no Ginjal, o local onde a sua autora mostra bem que tem um lado incontornavelmente sonhador e onde todos os sonhadores são muito bem vindos.
Muito obrigada, Antonieta, pelo seu cuidado em marcar a data.
Um beijinho!