Os dedos sobre o teclado, os olhos semicerrados, as palavras descendo sozinhas, pingos de cera, mornos, e a chama ardendo devagar, ou a límpida chuva escorrendo na janela, ou as lágrimas de quem me lê. A solidão que gera a solidão. A melancolia que é uma tristeza às vezes doce, outras uma teia que envolve devagarinho. E as palavras escorrendo, devagar, sozinhas. Não são minhas. Não. São de quem as lê. São palavras que contam a história de quem está aí, mãos talvez no regaço, mãos acariciando um gato que não vejo, mãos que imaginam como é macia a penugem de um pássaro colorido que se vê da janela (aí onde agora é primavera e onde os pássaros são tão maravilhosamente festivos). Ou mãos talvez também pousadas sobre o teclado. As minhas mãos e as vossas, juntas. As minhas que escrevem, as vossas que recebem o que escrevo. O calor das minhas palavras junto ao calor do vosso olhar. E eu sinto que o vosso calor é doce, que o vosso olhar é doce, tão cúmplice.
De quem são, pois, estas palavras que vão aparecendo escritas, e eu sem as ver, nascendo sozinhas vindas do meu coração, procurando o vosso olhar? São minhas ou vossas?
São vossas. Tomem-nas. As minhas palavras são um abraço apertado a todos quantos me lêem. Obrigada.
[Abaixo do homem que olha o mundo de frente, há um belo poema de Jorge de Sena. Logo a seguir há uma música muito bela. Talvez seja boa ideia receberem o meu abraço e lerem o poema ao som do Te Deum de Purcell mas, claro, é uma opção vossa]
No Ginjal, de frente para Lisboa |
Por que entristeço ao ler o que de meus
versos escrevem, se não é de mim
que escrevem?
Será que chora em mim o que meus versos foram
antes de ser meus?
Por que pergunto, se já sei por quê?
Escuto longamente, leio, espero,
e o poema é voz de toda a gente, todos eles, que,
não se tendo ouvido, não a sabem sua.
E vêm chorar em mim o coração traído,
a música perdida em distracções urgentes,
umas palavras que ninguém falou.
Não entristeço, pois. Apenas sou pergunta,
e, sendo eu, me esqueço ao perguntar.
['Tendo lido uma carta acerca de um seu livro de poemas, que oferecera' de Jorge de Sena in 'Antologia Poética']
OS SEUS TEXTOS MANSOS
ResponderEliminarAs palavras
derramadas,
imperceptíveis,
o som
a música
decantada
o ondulado harmónico,
de uma emoção luminosa
acontecendo.
GUNDULA STEGLITZ
Esse poema, uma vez mais, desliza sobre as minhas palavras como uma segunda pele. Andei à procura de livros dessa poetisa e não descobri.
EliminarGosto muito.
Muito obrigada.
Amiga,
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras, são sempre uma réstea de Sol no horizonte de quem as lê, tanto o Amor que nelas deposita.
Recebo-as como um abraço, que retribuo.
Um beijinho grande.
MCP
Olá MCP,
EliminarEscrevi-as também a pensar em si. Aliás, como certamente reparou usurpei uma frase sua que achei muito bonita e muito sentida, 'solidão gera solidão'. Agradeço a sua companhia.
Um abraço com amizade, MCP!