Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

13 novembro, 2012

A haste mais alta da melancolia


E, aos poucos - tanta a desolação, tamanhas as ausências - as palavras vão perdendo o sangue e, anémicas, arrastam-se ao longo das paredes, escorrem, as sílabas hesitantes, abúlicas, as letras soltas, desamparadas, uma lenta agonia.

Era verão e estava calor e o sol dourava as flores, dourava os dias, dourava os olhares. A isso chamávamos alegria.

Agora que o outono tombou, suave, sobre os dias, o silêncio cobre as vozes. E as súplicas morrem na garganta, os olhos calam o desânimo, os beijos não chegam a nascer. A isto chamamos melancolia.

E na haste mais alta da melancolia esconde-se a promessa dúbia de um outro dia, longínquo dia, tão longínquo.



[Bom. Para ver se espanto esta melancolia toda, logo abaixo do poema de Eugénio, a música é uma alegria, Rameau dançante e animado]



Muro no Ginjal


                                                   Colhe
                                                   todo o oiro do dia
                                                   na haste mais alta
                                                   da melancolia


                                                   ['Despedida' de Eugénio de Andrade in Antologia Breve]

6 comentários:

  1. Amiga,
    O meu comentário de hoje vai para este seu "cantinho", é com ele que mais me identifico.
    A melancolia fez parte do meu dia, há dias assim.
    Amanhã será melhor...
    Belas as suas palavras, tanto aqui como lá.
    Um abraço.
    MCP


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    1. Olá MCP,

      Isso é que é pior. A melancolia é uma coisa que se cola à pela, é uma lágrima que escorre dos olhos. Pode ser mas em doses muito pequenas, pouco mais que um instante. Por isso, espero que esse instante já tenha passado.

      Os dias não andam para alegrias mas eu, a mim, quando tenho mais motivos de preocupação, parece que é quando me dá mais para esparveirar, para escrever coisas no gozo, ou coisas a atirar para a malandrice. Acho que é para ver se espanto as tristezas.

      Seja qual for o seu remédio, é sempre muito bem vinda na minha casa, seja esta aqui, junto ao rio, o Ginjal, seja na outra, no UJM. Aqui terá sempre uma palavra de amizade à sua espera.

      Um beijinho, MCP.

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  2. O meu comentário não entrou. Vou tentar repeti-lo de memória:
    Nada melhor do que uma certa melancolia, quando a tristeza nos "tem" em baixo.
    Abraço

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    1. É muito verdade o que diz. Por vezes a melancolia tem até um travo doce, de companhia silenciosa. É preciso é que de melancolia não passe a tristeza pois a tristeza, se prolongada e profunda, anula a capacidade de se ver o lado bom da vida.

      Um abraço, jrd.

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