Sobes, Poeta, ao ponto mais alto de ti.
Aí o ar é fresco, quase rarefeito o ar, tão belo o horizonte que abarca, tão bela a paisagem que envolve, tão insignificante o pequeno mundo, tão próximas as nuvens.
Olhas em volta e tocas o céu. Um frémito te percorre, Poeta. Ou é do ar azul que respiras ou é das palavras que voam à tua volta. Olhas o vasto espaço e dizes vento, ar, longe, mar, asa, transparência, luz, água - e as palavras vão-se juntando sozinhas.
Aqui onde estás, Poeta, este ponto, o vértice do mundo, é a Boca do Vento.
Cá em baixo corre o rio e parece uma pintura infantil, e os barcos parecem pequenos, cheios de pequenas figurinhas. Enches o peito de ar, queres estar sempre aqui, no meio de um céu generoso, dentro da Boca do Vento.
Mas depois, Poeta, vem aquela força que te impele para o centro de ti próprio e queres mergulhar, procurar outras palavras, palavras que tenham a sombra por entre as sílabas, que tenham dentro de si escuridão, silêncio, ou uivos, ou dor, ou finitude, ou tristeza, ou solidão.
E, então, abeiras-te do abismo, e as palavras começam a misturar-se, um remoinho à tua volta, e são agora desejo, sangue, infinitos beijos, corpo, mãos, sexo, fim, princípio, ciúme, paixão, traição.
E, quando dás por ti, já uma vertigem fatal te puxou para o poço mais escuro, mais fundo, mais insondável.
Em busca da palavra mais perfeita, Poeta, mergulhas, perdido, rendido à fatalidade da poesia.
Em busca da palavra mais perfeita, Poeta, mergulhas, perdido, rendido à fatalidade da poesia.
Quando, por fim, chegas ao fundo não abres os olhos, Poeta, achas que os perdeste na queda. Não vês, portanto, a fantástica luz que subitamente o ilumina.
[Abaixo da imagem do homem que se lançou no espaço, poderão ver mais um poema de José Bento, um Poeta 'cá muito de casa', é já o 14º poema aqui no Ginjal. E, logo a seguir, uma nova interpretação de uma sonata de Franz Biber.]
Buddy Jumping na Boca do Vento sobre o Ginjal |
Os poemas que escrevas,
ainda que muitos, são
um só, inacabável,
interceptado um dia:
sufocante abertura
por onde irás descendo
a um poço, uma vertigem,
com uma única saída
que, enfim, vislumbrarás
quando já não tiveres olhos.
[Poema nº5 de José Bento in Sítios]
Olá,
ResponderEliminarGostei muito deste texto e do poema de José Bento. A luz que subitamente o ilumina e a vertigem com uma única saída que só a vislumbrará quando já não tiver olhos...
Será a vida eterna eminente?
Obrigada por este momento de reflexão,diferente de todos os outros.
Um beijinho
Olá Maria Eduardo,
EliminarO que sei é que quanto mais anos temos, quando mais perto estamos do abismo para o qual caminhamos, melhor vemos. Chegaremos ao fundo mais fundo do poço talvez sem olhos ou sem vontade de os abrirmos, mas se os abríssemos veríamos tudo bem mais nítido. É a sabedoria e a tolerância que vem com a idade. E depois não dizem que quando se transpõe a porta do abismo se vê uma luz fantástica?
Eu saber, não sei e não faço questão de saber. Quanto mais tarde o descobrir melhor mas é confortável saber que é um abismo cheio de luz.
Conversa mais estranha e triste, não é...? Não gosto.
Por isso, vou mudar de registo e desejar-lhe uma vida feliz, longa e luminosa! Isso é que é!