Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 julho, 2012

Subitamente saíram da sombra. Vinham de cara ao sol


Fui até à beira do rio, de um e outro lado. Azul tão escandaloso já há uns dias que o não via. As águas corriam ligeiras, naquele brilho próprio de quem se despreocupa facilmente. A cidade toda ela colorida, uma inocência aquelas cores infantis, o amarelo, o rosa, o azul, os telhados muito bem desenhados, as chaminés, tudo banhado de luz, tudo perfeito, o casario chegando-se também até à beira do rio.

Que saudades eu já tinha. Fico, então, imóvel, silente, olhando e respirando. Este é o ar de que eu preciso para viver.

Não penso em nada, estou apenas ali, de frente para esta beleza que há muitos dias não via assim, de tão perto, e não penso, não falo, apenas olho, apenas respiro.

Depois vejo que, em direcção ao mar, sobe um veleiro, uma barca. Talvez traga guerreiros. Vejo-os, vêm de cara ao sol, falam alto, sinto-lhes aquela alegria vitoriosa de quem vem de longe para defender uma cidade.

Em silêncio, avança o veleiro que transporta os guerreiros que gritam palavras talvez de combate. Escuto. E então ouço: 

Trago em mim um exército perdido
algures no meio de uma estrofe
da saga escrita em língua desaparecida.

Depois o vento leva as palavras, e só consigo ouvir, mais:

A escrita é essa navegação

Sigo ao longo do rio, tentando perceber o que dizem mas já não consigo. Quando me afasto parece-me escutar:

O vento sopra no vento.

Penso, então, que estes devem ser os guerreiros que vêm de longe para, junto da grande cidade, defender, morrer se necessário for, a palavra, a poesia, a maravilhosa língua portuguesa.



[Bom, depois disto deveria aqui colocar também um compositor português. Mas isso fica para outro dia. Logo a seguir ao belo poema de Manuel Alegre, dá-se início à semana dedicada ao compositor Manuel de Falla - e não tem nada a ver com o facto de, no momento em que escrevo, a Espanha estar a bater a Itália na Final do Euro 2012]



Hoje de manhã, o Tejo e Lisboa


                         Subitamente saíram da sombra.
                         Vinham de cara ao sol
                         com suas armas cintilantes
                         soltando gritos de combate
                         para morrer diante da cidade
                         que ninguém sabe ao certo onde ficava
                         e talvez fosse apenas
                         uma palavra.
                     
   
                   ['Os guerreiros' de Manuel Alegre in 'Nada está escrito']


Nota: Os excertos a itálico no meu texto são versos de poemas do mesmo livro.

2 comentários:

  1. Boa noite, UJM

    Reencontro o Ginjal 'palavroso' no seu melhor, com palavras de todas as cores, num arco-íris maravilhoso, tendo como pano de fundo o rio e o casario que se avista de Lisboa. Guerreiros, privilegiando a estrada líquida na tomada da bela cidade, cantando e catapultando o vento no vento.

    Beijinhos.

    Olinda

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    Respostas
    1. Olá Olinda,

      E que belas palavras as suas...!

      Muito obrigada mas a inspiração vem-me da poesia que leio (e, neste caso, a de Manuel Alegre é sempre 'empolgante') e da beleza de Lisboa e o do Tejo. Hoje andei fazendo fotografia pela beira do rio e vim, como sempre venho, fascinada.


      Um beijinho Olinda!

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