Fui até à beira do rio, de um e outro lado. Azul tão escandaloso já há uns dias que o não via. As águas corriam ligeiras, naquele brilho próprio de quem se despreocupa facilmente. A cidade toda ela colorida, uma inocência aquelas cores infantis, o amarelo, o rosa, o azul, os telhados muito bem desenhados, as chaminés, tudo banhado de luz, tudo perfeito, o casario chegando-se também até à beira do rio.
Que saudades eu já tinha. Fico, então, imóvel, silente, olhando e respirando. Este é o ar de que eu preciso para viver.
Não penso em nada, estou apenas ali, de frente para esta beleza que há muitos dias não via assim, de tão perto, e não penso, não falo, apenas olho, apenas respiro.
Depois vejo que, em direcção ao mar, sobe um veleiro, uma barca. Talvez traga guerreiros. Vejo-os, vêm de cara ao sol, falam alto, sinto-lhes aquela alegria vitoriosa de quem vem de longe para defender uma cidade.
Em silêncio, avança o veleiro que transporta os guerreiros que gritam palavras talvez de combate. Escuto. E então ouço:
Trago em mim um exército perdido
algures no meio de uma estrofe
da saga escrita em língua desaparecida.
Depois o vento leva as palavras, e só consigo ouvir, mais:
A escrita é essa navegação
Sigo ao longo do rio, tentando perceber o que dizem mas já não consigo. Quando me afasto parece-me escutar:
O vento sopra no vento.
Penso, então, que estes devem ser os guerreiros que vêm de longe para, junto da grande cidade, defender, morrer se necessário for, a palavra, a poesia, a maravilhosa língua portuguesa.
[Bom, depois disto deveria aqui colocar também um compositor português. Mas isso fica para outro dia. Logo a seguir ao belo poema de Manuel Alegre, dá-se início à semana dedicada ao compositor Manuel de Falla - e não tem nada a ver com o facto de, no momento em que escrevo, a Espanha estar a bater a Itália na Final do Euro 2012]
Hoje de manhã, o Tejo e Lisboa |
Subitamente saíram da sombra.
Vinham de cara ao sol
com suas armas cintilantes
soltando gritos de combate
para morrer diante da cidade
que ninguém sabe ao certo onde ficava
e talvez fosse apenas
uma palavra.
['Os guerreiros' de Manuel Alegre in 'Nada está escrito']
Nota: Os excertos a itálico no meu texto são versos de poemas do mesmo livro.
Boa noite, UJM
ResponderEliminarReencontro o Ginjal 'palavroso' no seu melhor, com palavras de todas as cores, num arco-íris maravilhoso, tendo como pano de fundo o rio e o casario que se avista de Lisboa. Guerreiros, privilegiando a estrada líquida na tomada da bela cidade, cantando e catapultando o vento no vento.
Beijinhos.
Olinda
Olá Olinda,
EliminarE que belas palavras as suas...!
Muito obrigada mas a inspiração vem-me da poesia que leio (e, neste caso, a de Manuel Alegre é sempre 'empolgante') e da beleza de Lisboa e o do Tejo. Hoje andei fazendo fotografia pela beira do rio e vim, como sempre venho, fascinada.
Um beijinho Olinda!