Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 junho, 2012

Para quê os espaços vazios?


Abres os braços aos que, em baixo, te ignoram e aos que te louvam. Observas, com tua infinita compaixão e compreensão, o desamparo de quem se vê no fundo das escarpas, de quem se isola no alto dos mais desabrigados penedos, de quem se perde no labirinto vazio de espaços frios, desolados.

Em dias de vendaval, de chuva intensa ou de inóspita ventania, ou de inclemente soalheira, ou de névoa, ou de brisa, tu abres sempre os teus braços e, sem uma pergunta, sem uma censura, acolhes junto ao teu coração as preces, os agradecimentos, os choros, os segredos.

A vida corre sem propósito, apressada e tu abres os teus braços, pedindo à vida alguma paz, algum tempo. Ou, a quem a vida corre lenta, sofrida, tu abres os teus braços generosos e levas, a quem te espera, carinho e amparo.

Um corpo de pedra, um rosto esculpido, um olhar imaginado. E, no entanto, no leve inclinar da cabeça, no gesto fluido que a pedra mal disfarça, quanta bondade, quanto calor...

Não é de pedra, não, este corpo que se veste de vestes tão leves, que respira com tanto afecto, em cujo peito um coração bate, que abre os braços com tamanha generosidade, abraçando o ar, abraçando-nos a todos nós. 

Em dias de solidão, quando por aqui passo, ouço uma voz silenciosa que vem do interior de um corpo que não é de pedra e que pergunta ao vento: Para quê tanta amargura, para quê tantos corações vazios, para quê?

Sigo devagar pela beira do rio e nada respondo. Mas a voz persiste: Para quê tantos espaços tão tristes, tão vazios, no corpo de tanta gente? Porque não têm, antes, um coração cheio de amor?




[Abaixo do Cristo Rei, mais um poema de Patrícia Aguiar e, logo a seguir, voltamos a Mozart, agora com o canto. Abrimos com um grande momento da Flauta Mágica.]


Avistado do Ginjal, Cristo Rei abrindo os braços contra o ar


                                 Apertar os braços contra o ar,
                                 sentindo estes descobrirem o litoral.
                                 Descrevendo um espaço rígido e raro,
                                 de escarpas íngremes
                                 de penedos inacessíveis
                                 de costas esguias.
                                 Descrevendo aquele lugar
                                 tão veloz quanto dispensável.
                                 Para quê os espaços vazios?



[Poema, pág.61, de Patrícia Aguiar in '190 minutos aqui' com ilustrações de Marisa Benjamim
                       

2 comentários:

  1. Amiga:
    Dizem que Deus nos fez à sua imagem e semelhança.
    Mas então, porque tão poucos, têm o coração cheio de amor, de sentimentos bons?
    Gosto de olhar o Cristo Rei e, sentir que os seus braços estendidos para mim.
    Lindo, o poema.
    Abraço
    Mary

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  2. Olá Mary,

    Não sou a ir à missa, não sou grande fervorosa das regras e ditames da igreja católica.

    Mas há figuras que me impressionam. Jesus Cristo e a Mãe são duas dessas figuras.

    A estátua do Cristo Rei, apesar de enorme, tem uma dimensão humana. Oferece um abraço caloroso, oferece compaixão sem reserva. E isso toca-me.

    O poema é bonito, faz-nos pensar, não é?

    Um beijinho, Mary.

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