Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

10 junho, 2012

Confia. Eu sou romântica. Não falto.


Estávamos deitados ao sol, tu olhando-me e eu aflita, em silêncio amargo, pensando se calhar estás a ver as rugas que começam a desenhar-se junto aos meus olhos. A medo, tento perceber no que atentas. Mas olhas-me o olhar, não os olhos, e sorris, inocente.

Beijas-me ao sol, tu lagarto de sangue quente e eu, pequena ave insegura, perceberás a pele que vai perdendo a firmeza inicial? Enquanto me beijas, penso que o sol me é desfavorável, prefiro a sombra que oculta os traços da vida que passa por mim. Mas tu queres estar aqui, assim, ao sol, langoroso e rapaz viril.

Depois passas-me a mão lenta pelas ancas que adornam junto às margens do rio, e, quase indecente, chegas-te ainda a mais a mim. Aqui ao sol, a maresia a subir, quase quente, quase íntima. E eu a pensar que já não tem a firmeza de outros tempos este navio onde sempre embarcaste. Em silêncio, cheia de pudor, penso não quero que me vejas assim, não olhes para mim com tanto desejo, não me faças sentir tão adolescente, olha que já não o sou, não te iludas, amor. Anda para a sombra, deixa que me cubra com os ramos desta árvore, deixa. Mas nada digo, envergonhada, quase humilhada.

E então, enquanto por um instante olhas um navio que parte, levanto-me, rápida, fujo. Não mais me verás assim, frágil, perecível.

Mas voltarei, claro que voltarei, voltarei para ti. 

Por isso, espera por mim, amor, espera por mim aqui, neste sítio de grandes navios, de aves livres, que partem mas que, também, sempre chegam. Um dia voltarei, eterna, eterna, para sempre a menina dos teus sonhos, para sempre a tua mulher fértil e navegável. 




[A seguir à imagem da mulher que parte, poderão ver um belíssimo poema de Natália Correia e, logo abaixo, a abrir a semana dedicada a Wagner, dou passagem às Valquírias]



No Jardim do Ginjal, um pequeno jardim sobre o Tejo, de frente para Lisboa



                         Nada a fazer amor, eu sou do bando
                         impermanente das aves friorentas;
                         e nos galhos dos anos desbotando
                         já as folhas me ofuscam macilentas;

                         E vou com as andorinhas. Até quando?
                         À vida breve não perguntes: cruentas
                         rugas me humilham. Não mais em estilo brando
                         ave estroina serei em mãos sedentas.

                         Pensa-me eterna que o eterno gera
                         quem na amada o conjura. Além, mais alto,
                         em ileso beiral, aí espera:

                         andorinha indemne ao sobressalto
                         do tempo, núncia de perene primavera.                 
                         Confia. Eu sou romântica. Não falto.


                         ['O espírito' de Natália Correia in Poesia Completa]

6 comentários:

  1. bonito texto brincando com o envelhecimento, assunto com que se pode e deve brincar, e curioso soneto da andorinha que garante voltar na primavera mesmo com as rugas

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  2. Caro Patrício Branco,

    É o envelhecimento é uma coisa tramada... ou então, não.

    Eu acho que é uma sorte podermos sentir o tempo a passar por nós: significa que estamos vivos, na plena posse das nossas faculdades.

    E se, por vezes, se sente alguma insegurança (ai... mais uma ruga...), acho que, logo a seguir, devemos é dar-lhe valor e nunca perder o prazer de estar vivo, de brincar, de nos divertirmos.

    A vida é efémera e preciosa, com ou sem rugas, com ou sem cabelos brancos. Por isso, mesmo que umas vezes nos apeteça desaparecer, mais vale regressarmos sempre. Voltar para junto dos que nos amam. Ou simplesmente voltar para viver.

    (Qualquer coisa assim... que já estou é com sono... são 2 da manhã, acabei de escrever lá no UJM e já não sei se estou a dizer coisa com coisa).

    Obrigada pela visita e por ter gostado do que escrevi.

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  3. Olá cara UJM:

    Sempre com belíssimas escolhas! e bonitas palavras!
    Hoje com as eloquentes palavras de Natália Correia, uma força da natureza e mulher de telúricas paixões, a expor o desejo da perene primavera a que todos aspiramos.
    Mas se o corpo é submisso à gravidade, o espírito, esse, “qual andorinha indemne ao sobressalto do tempo “ pode ser eternamente jovem.

    Tenha dias românticos.
    abraço amigo
    da Luísa sobe a calçada

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    1. Luísa, de novo subindo a calçada,

      Muito obrigada. Gosto muito de Natália Correia quer na sua poesia poderosa quer na exuberância da sua maneira de ser. Aquelas tertúlias em que participava deveriam ser uma coisa extraordinária. Aquela figura de mulher... aquela boquilha desafiadora...

      E é isso: o espírito, se for jovem, anula o efeito da gravidade sobre os corpos, eleva a carne, eleva a alma. Penso mesmo isso. Há pessoas de quem a gente até se esquece da idade, de tal forma a sua jovialidade ocupa o espaço.

      Dias românticos e dias felizes também para si, Luísa!

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  4. Cara UJM:

    Desfazendo equívocos.

    Primeiro, uma Luísa que sobe a calçada, nunca poderá ter “DE” no seu nome. (com todo o respeito para quem o tem)
    Segundo, nunca iria cometer a veleidade de ajuizar sobre a qualidade de um poema, porque não tenho nem autoridade nem competência qualificada para tal, sou apenas uma amante de poesia.
    Terceiro, nunca iria cometer a indelicadeza de me arvorar em decisora do que a autora do blogue deve ou não deve fazer.
    Quarto, nunca iria alvitrar, de modo tão ressabiado, sobre se “Nuno Júdice merece ou não melhor sorte …”porque não conheço Nuno Júdice. (nunca me foi apresentado)
    Quinto, nunca iria usar uma linguagem tão indelicada. (já frequento esta tertúlia assiduamente desde março e dá para perceber, claramente,no que se escreve e na forma como se escreve, que não é a mesma pessoa)
    Sexto, nunca seria desmerecida, porque já tive a honra de ver em lugar de destaque, no seu blogue, uns versos que lhe enviei. (e agradeci o facto)
    Sétimo, sou opiniosa, frontal, mas nunca indelicada.
    Oitavo, sou otimista e gosto muito dos outros e do seu sucesso.
    Nono, nunca iria cometer a indelicadeza de desvalorizar o trabalho de quem usa as palavras como Era Uma Vez
    Por fim, mas não em último lugar, Já manifestei publicamente, em UJM, o meu apreço pelo trabalho e talento de ERA UMA VEZ.


    Se uso o anonimato, Luísa sobe a calçada, não o considero um sinal de cobardia. Um nome vale o que vale. Como já disse, damo-nos muito mais a conhecer no que escrevemos e na forma como escrevemos. Há sinais, no que escrevemos, que permitem ver claramente quem somos e que valem muito mais do que um nome. O meu é Luísa sobe a calçada e sou de um Reino Maravilhoso e Límpido.

    E tenha dias maravilhosos e felizes
    abraço amigo da
    Luísa sobe a calçada

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    1. Luísa...

      Já é tardíssimo e receio já nem estar a perceber bem. Mas porque me escreve tudo isto? Receou que eu ou alguém pensasse que a Luísa que sobe a calçada fosse a mesma Luísa que apareceu aqui a censurar o facto de eu ter colocado um poema da Era uma Vez ao pé do Nuno Júdice?

      Não, claro que não. A mim, pelo menos, nem me passou isso pela cabeça, por isso, ao ler agora o seu comentário, nem estava a perceber. Acho que ninguém pensou isso. Esteja descansada, Leanor. Quem a conhece daqui sabe bem que o seu género não é minimamente o que a outra Luísa escreveu.

      Um abraço, com estima!

      PS: Amanhã, com a cabeça mais fresca, vou ler outra vez o que escreveu porque se calhar não é nada disto que eu agora percebi...

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