Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 junho, 2012

(Ainda preciso de desculpas para tudo o que não fiz)


Como cheguei aqui? Quem me trouxe? Ou vim sozinha?

Levantei-me nesta manhã cinzenta, abri a janela e senti um peso, uma tristeza.

Espreitei-me, num breve relance, ao espelho. Esta sou eu? Estas rugas, esta pele caída, este cabelo sem vida... Esta sou eu? Onde está o meu olhar curioso, onde está o meu olhar expectante? Onde está o meu sorriso de carinho?

Desapareci. Esta já não sou eu. Aquela que o espelho, de longe, me mostra é outra, é outra que parou de viver, que deixou a vida para trás.

Fugi de casa, fugi dessa outra mulher que veio não sei de onde para se instalar num corpo que parece ser o meu.

Caminhei, então, e dirigi-me ao local onde o rio é espelho, um grande espelho de prata clara. Quero ver-me no espelho do rio. Quero ver se me descubro.

Deixei tantas coisas para trás, tantas coisas que não fiz. Tantas vezes optei por não arriscar, por não me dar, por me reservar e agora, que o tempo passou, não sei para que é que me estava a reservar. Olho o espelho mas não é um espelho, é um rio que corre, é um rio que leva a minha imagem para longe. E que eu não consigo agarrar.

Ó vida, espera por mim, que agora quero viver.



[Abaixo da imagem da mulher que olha, mais um belo poema de um Poeta que tem aqui um lugar muito especial, Luís Filipe de Castro Mendes, Poeta e Embaixador. Logo a seguir, uma música maravilhosa: abre-se a semana que vou dedicar a Shostakovich]



Este domingo de manhã no Jardim do Ginjal, sobre o Tejo, de frente para Lisboa, a Bela



                      Quem eu fui há vinte anos
                      veio hoje tomar-me pelo braço e perguntou:
                      o que fizeste de mim?

                      Respondi-lhe: fiz tudo quanto deixaste
                      que eu pudesse fazer.

                      A sombra sorriu de troça.
                      E desapareceu.

                      (Ainda preciso de desculpas
                      para tudo o que não fiz)



                ['A sombra' de Luís Filipe Castro Mendes in 'Lendas da Índia']
          

4 comentários:

  1. E quem nos garante que o que não fizemos, nos tornaria mais felizes?
    Às vezes penso precisamente nisso. Há sempre em todas as vidas as decisões que nos obrigam a escolhas. Algumas decidem a nossa vida a partir daí. Algumas vezes fiz a pergunta a mim mesma, se as minhas decisões foram as que devia ter tomado?
    Não sei. Acredito que o que não tive não me estava destinado. E sigo em frente. Sou feliz.

    Gostei do seu Ginjal. O meu medo era esse. Agora é mais um para ver.

    Admiro-a pelo que consegue fazer com o seu tempo. Tanta coisa! Eu não sou muito organizada.

    Um beijinho e obrigada por me trazer até aqui

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    1. Olá Isabel,

      Veja bem que me tinha esquecido de responder a estes comentários. Esta situação em que estou alterou-me todos os hábitos mesmo os que não têm nada a ver.

      Quanto ao que diz: eu não penso nisso. Sei que podia, em vários momentos, ter mudado de outra maneira os rumos da minha vida. Mas sinto que, em regra, fiz sempre o que me apetecia e agi sempre de acordo com a minha consciência. Não sou muito de ter medo do desconhecido. Geralmente sou do género de me 'atirar de cabeça', sem medir bem as consequências e 'depois logo se vê'. Por isso, em vários momentos fiz coisas que os outros acharam incompreensíveis e arriscadas. Mas uma vez avançando por esse caminho, não penso mais e vou em frente. Acho sempre que a nossa vida, fazêmo-la nós. Somos responsáveis pelas nossas escolhas, pelos nossos medos, pelas nossas reacções face ao que nos aparece pela frente.

      E, no fim, uma única coisa interessa, acho eu: que nos sintamos bem connosco, com os outros, com a vida. Olhar para trás só se for agradável, caso contrário para a frente é que é caminho.

      Por isso, Isabel, se me permite: não pense no que podia ou não ter feito. Pense antes no que lhe apetece agora fazer. Passear? É meter-se num autocarro ou num avião e ir. Vir ver um bailado em Lisboa? Ou em Paris? É pôr-se a caminho e ir. Não tem com quem? É convidar alguém ou ir sozinha. São exemplos mas é isto que quero dizer: não acumular vontades por cumprir.

      E se não apetece nada disto e apenas quer estar tranquilamente nessa cidade tão bonita, então tudo bem na mesma e o mais importante de tudo é o que diz: sentir-se feliz. Não há nada mais importante que isso.

      E gostei imenso que tivesse gostado aqui deste meu Ginjal. Pretendo que este seja um local de paz, de palavras, música, água, afectos. É por aqui que gosto de começar a minha 'empreitada diária' na blogosfera. A música e a poesia libertam a minha mente (que, já de si, é liberta...)

      Um beijinho, Isabel.

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  2. Olá cara UJM:
    Saber de mim há vinte anos? Para quê? Se o meu destino é um constante recomeço. O que sou hoje é o que vale.

    Cada dia que passa mais me convenço de que a única desculpa, que devo à vida, é pelo amor que não dei.

    E tenha dias felizes
    Abraço amigo da
    Luísa sobe a calçada

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    1. Olá Luísa subindo a calçada,


      Já expliquei na resposta acima, que parece que ando meio desfasada ou mentalmente desorganizada, nem sei bem explicar. Eu que dou sempre prioridade à resposta aos comentários, fui esquecer-me destes. Peço desculpa.

      Quanto ao que diz, concordo muito consigo. O que lá vai, lá vai. Hoje e o que ainda aí está por vir é o que a mim também mais me interessa.

      Viver a vida a pleno, não fazer fretes (nunca fui muito de os fazer e cada vez faço menos), estar de bem com a consciência, ser compreensiva, tolerante, afectuosa, feliz, não desperdiçar oportunidades que se desenhem e que pareçam atractivas (exemplo: seguir o seu roteiro ao longo do Douro Superior) são algumas das linhas que guiam a minha maneira de estar. E estou bem assim.

      Que tenha também dias muito felizes, Luísa sempre subindo a calçada!

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