Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

21 maio, 2012

No fundo da ternura há um som de lágrimas


Tu que olhas indiferente os valorosos navios que parecem navios de sonhar

e que olhas, solitário, em silêncio, esta água onde o sol se afoga para, todos os dias, depois, renascer, 

tu que te deixas levar magoado pelas lembranças de barquinhos de papel e infantis fantasias, 

tu que te ergues sombrio para que a tua vida desfile, desalentada, ante os teus olhos banhados desta luz mansa que vem das nuvens,

tu que não sentes a chuva, o frio, o vento, os sorrisos, as palavras que afagam,

tu que, só por vezes, deixas que a ternura que atravessa os tempos se chegue até aos teus olhos, 

                  esquece as mágoas, esquece os desencantos, esquece os tristes entardeceres, esquece as lágrimas, as quedas, as perdas. 

                       E deixa que a vida clara, luminosa, promissora, envolta em ternura, para sempre preencha os teus dias.



[Abaixo poderão o terno poema de Soledade Santos e, logo a seguir, abro a semana com La Traviata - é Verdi e a música que vibra plena de fulgor]



Em Cacilhas, no domingo, Dia da Marinha, a Sagres engalanada e um submarino em primeiro plano
O Tejo azul, tingido de verde



                         No fundo da ternura há um som de lágrimas -
                         água clara onde o sol do entardecer
                         odoroso se deteve;
                         vem das lembranças, cristais de sal,
                         chispas na pele esfolada pelos jogos
                         infantis e as perdas
                         de que a vida nos preencheu os dias.
                         Companheira amável do desencanto,
                         outra forma afinal de dizer mágoa.


                          ['Da ternura' de Soledade Santos in 'Sob os teus pés a terra'

4 comentários:

  1. Olá, UJM

    Molhar os dias de ternura, lavar a alma de claridade e assim percorrer os caminhos da memória desenhando figuras aladas que nos permitam voar e enfeitar o presente de mil cores e odores.

    Excelente reflexão a sua, minha querida.Aqui é um bom lugar para se estar.

    Bj

    Olinda

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    1. Olá Olinda,

      Muito obrigada. São os poemas que me inspiram e é também as imagens das fotografias. Ontem, de manhã tirei aquela fotografia (e vi-me um bocado aflita para a tirar porque estava vento e frio e estava a começar a chover e eu queria que aquele senhor se virasse para eu não lhe apanhar a cara mas ele andava ali, absorto a olhar o navio e o rio e eu andava quase à volta dele a ver se ele se punha de forma a eu apanhá-lo sem se ver quem era...) mas, eu tirar a fotografia, já tinha na cabeça uma coisa assim. Depois tive a sorte de encontrar o poema que me dava a deixa...

      Tenho visto no seu Xaile de Seda, um verdadeiro baú de onde saem mil palavras, a preciosa divulgação da lusofonia. Um verdadeiro serviço público. Não tenho deixado comentários porque já viu, ponho-me a escrever aqui e no UJM e mal me sobra tempo para dormir um bocadinho. Mas vou vendo sempre.

      Um beijinho, Olinda.

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  2. Amiga:
    Sempre olhei os navios com olhos de quem quer ir neles. Desde miúda, que tentava imaginar, o seu destino. No entanto, nunca andei de navio.
    Neste momento, apetecia-me mesmo, uma viagem por mar, longa, sem ver muita terra, sem ver gente. Eu sei. Estou com mais uma depressão. Não! não vou ao médico. Isto vai passar. Um dia acordo e voltei a ser eu. A mágoa vai juntar-se às outras. Chega de drogas, de cigarros, de tentativas, para reagir. Fui sempre assim, desde que me conheço. Preciso de me afundar, para voltar à tona.
    Vou ouvir a Traviata. Uma das minhas Óperas.
    Beijinhos
    Mary

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    1. Olá Mary,

      Eu num navio assim também nunca andei, nem sei se gostaria de andar. Tenho sempre receio de que me sentisse presa. Mas andei muito de cacilheiro e, quando era miúda, muitos nos barcos para Tróia. Em tempos também havia na família um barco a motor mas eu detestava pois era uma rapaziada que só gostava de acelerar e fazer peões na água e outras maluquices e eu estava sempre com medo que houvesse um acidente.

      Eu nunca tive nenhuma depressão (felizmente) mas acho que deve ser uma coisa horrível. Eu quando tenho desgostos, fico triste, muito triste, durante uns três ou quatro dias, depois dá-me um cansaço que não tem explicação, fico sem força, só me apetece dormir, depois durmo e, quando acordo, já estou a dar a volta.

      Tente que isso seja também assim consigo, Mary, experimente dormir muito, pode ser que, depois, quando acordar, já o peso da tristeza tenha saído de cima de si.

      Claro que nada de cigarros nem de comprimidos. Tente curar a tristeza com passeios, com livros, com música, experimente ir a um museu, arejar a cabeça, uma coisa assim, Mary!

      Espante essa tristeza, bola para a frente!

      Beijinhos, Mary!

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