Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

23 maio, 2012

Eu posso beber um rio afogar-me nele inundar-me inundá-lo

         
Este rio azul que aqui corre vai para onde? Vai para dentro de ti? Este é o rio que te percorre? 

De que intangível água é feito este rio? De desejo?

A vida que vibra nas cordas azuis deste rio que entra em ti e que te banha o coração, é uma vida cheia das nossas histórias, das nossas lágrimas e sorrisos, do nosso muito bem querer. 

Não sei porquê, mas também não quero saber, por vezes entras nesta água azul e dissolves-te como um peixe azul, como uma alga verde, e eu perco-te. Onde andas, minha amada, onde andas?, pergunto eu às sombras que se desenham na superfície espelhada do rio.

Fico, então, sentado na margem, olhando a maresia branca, tentando descobrir numa qualquer gota perdida uma pequena imagem de ti, olhando os grandes navios que talvez te tenham recolhido, aspirando o vento que talvez te traga, minha amada.

Mas, depois, quando a luz do farol começa a girar ou quando uma gaivota atravessa o espaço gritando, soltas-te das águas, deslizas húmida até mim, abres-te sôfrega e bela, e eu afogo-me, então, no rio que és tu. Minha mulher, minha amada mulher que sais das águas para vir incendiar o meu desejo, deixa que beba, que te beije, que te inunde.



[Abaixo da fotografia, poderão encontrar um poema do novíssimo livro de Casimiro de Brito e logo a seguir, um maravilhoso dueto com vozes vindas do céu e, claro, continuamos com Verdi.]



Há pouco, mesmo rente ao Tejo azul, mesmo em frente de Lisboa - um belíssimo sol dourado.
(Visível um grande paquete atracado e, por trás, o belo edifício azul da Gare de Sta Apolónia] 


                              Eu posso beber um rio
                              afogar-me nele inundar-me inundá-lo
                              mas não posso queimá-lo não posso queimar o rio amado
                              e deixar-me dormir a seu lado -
                              eu posso beber um rio o teu rio
                              ou uma lágrima e cantá-la
                              o que não posso não sei não seria capaz
                              é afogar-me no rio amado e continuar
                              em paz.


                              ['Ilhas adriáticas. VII' de Casimiro de Brito in 'Amar a vida inteira']

4 comentários:

  1. Bonito o texto e o poema.
    o tema e metáfora dos rios e das águas que passam (casimiro de brito não diz, mas as águas do rio continuam a passar enquanto fala dele) são fascinantes e vêm já nos salmos, em camões, francisco manuel de melo,são joão da cruz.
    super flumina babylonis, sobolos rios que vão,o canto de babilonia, tema que deu poesias maiores e continua a fascinar.
    no poema de casimiro de brito, o que me intriga é a contradição entre o inicio, posso afogar-me nele, e o final, o que não posso é afogar-me no rio. mas talvez ele abra uma excepção para o rio amado, só nesse nao poderá afogar-se.

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    1. Caro Patrício,

      Muito obrigada. As palavras simpáticas de um connaiseur soam muito bem.

      Também gostei muito deste poema. Aliás este livro novo é muito bom. Lê-se uma sucessão de poemas todos muito bons e parece impossível tantas palavras para falar de amor, atracção, sensações várias e todas tão bem 'cerzidas'.

      Quanto à contradição, penso que não é como dia. O que ele diz é que não sabe se continuará em paz se se afogar no rio. Ou seja, poder afogar-se ele pode, não sabe é se depois continua em paz. Não é isso?

      O tema dos rios é recorrente, de facto. Mas é uma coisa fascinante. Nasce, vem como um fio, vai ganhando volume, atravessa terras e bosques e cidades e aí vem, corre, mistura-se no mar, perde-se no meio da imensidão. É como a vida: nasce, por aí anda até que se esvai.

      E o Tejo aqui é lindo, tem marés, muda de cor, é largo como um mar. 'Sôbolo rio que vai' aqui perto de mim, muito se tem escrito e a mim inspira-me, não me canso de o ver e dá-me sempre vontade de escrever sobre ele.

      Muito obrigada pelas suas palavras.

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  2. Amiga:
    O nosso rio é como um amante amado. Queremos tê-lo dentro de nós, queremos sorvê-lo todo, metermos-nos dentro dele, morrer nele. Gostamos que outros o vejam, mas que não sintam o mesmo que nós. É belo, mas é nosso, só nosso.
    Eu tenho 2 rios, que amo assim. Um, pequeno, verde esmeralda, cheio de açudes, rodas, represas.No Inverno, arma em forte, salta as margens, inunda ruas e casas. No Verão, corre mansinho, enche alcatruzes, rega as terras, antigamente fazia mover muitas fábricas. Tem salgueiros, choupos. Amo-o tanto, que dei ao meu cãozinho, o nome dele.
    O Tejo, o meu Tejo azul e largo, às vezes calmo, às vezes inquieto, viu sair caravelas em busca de outras terras, viu barcos carregados de rapazes, que às vezes não voltaram. Ele não teve culpa, o meu amado e impar Tejo.
    Sou fiel aos dois, com uns momentos de deslumbramento no Douro, alguns olhares amorosos ao Sena e ao Arno. Só devaneios. Amor, são eles dois.
    Já asneirei demais, Amiga.
    Abraço com a força do Nabão e o tamanho do Tejo.
    Mary (marada de todo)

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    1. Mary,

      Que texto tão lindo.

      O Caro Patrício Branco escreveu acima que os rios têm servido de inspiração desde sempre e, de facto, assim é.

      leio o seu texto tão bonito e percebo-a muito bem porque os rios têm este efeito em nós. São massas de água que se movimentam, que têm coloridos, texturas, que se rodeiam de campos, que saltam, deslizam. São locais de paz. A mim faz-me sempre muito bem andar ao pé da água, de rios, de mar bravo, até de lagos.

      O rio em Tomar é lindo, é verde, tem árvores que tombam nele, é romântico.

      E faz favor de 'asneirar' muito mais que o seu 'asneirar' tem graça.

      Só tenho a agradecer à Mary ser assim, 'marada de todo' - porque não o é nem um bocadinho!

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