Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

27 maio, 2012

Espero que o tempo encha o copo até cima, para que o possa erguer à luz do teu corpo


Vou falar-vos da sabedoria do amor. 

... Não, afinal não consigo. Estive aqui a pensar e sobre a sabedoria do amor não sei falar-vos. A palavra 'sabedoria' intimida-me.

Vou antes dizer-vos algumas palavras simples - se for capaz, porque dizer coisas simples também não é fácil. 

O que é o amor? 

É um querer estar perto do outro, não passar sem isso, é querer que o outro goste de nós e que queira que façamos parte da sua vida. É defender o outro contra tudo e esperar que ele  faça o mesmo por nós. É querer construir a felicidade em conjunto, momento a momento.

                       Talvez seja muito mais que isto mas agora não me ocorre nada de muito fundamental.

O que não é o amor? 

É querer ser dono do outro, é aceitar que o outro seja nosso dono, é achar que é um jogo de cedências, é querer conhecer todos os segredos do outro, nem que tenha que se violentar a sua consciência ou paciência, é achar que não se podem ter segredos, é querer 'amestrar' o outro, é forçar a sua própria natureza para agradar ao outro, é dar cabo da vida do outro (e dos dois) com ciúmes, com inseguranças, com exigências.

               Claro que há muito mais aspectos que poderia incluir nesta lista mas talvez sejam menos relevantes do que os que referi.


Para concluir, direi ainda que o amor deve 'consumido' em doses inteligentes - não é coisa que se use de forma compacta, excessiva, que se desbarate. 

Deve ter-se sempre presente que o amor é coisa frágil, rara, que se desgastará se for usada de forma inadequada. Mas que viverá sempre, de forma reinventada, se for consumida com delicadeza, respeito, generosidade. Assim, percebendo que o amor requer inteligência, quem ame, entregar-se-á com transparência e inteireza ao outro, recriando o furor inicial, o sopro de alma, o bater de coração, o sorriso a dois, o desejo imaculado.



[Bem, não sei se disse coisas acertadas mas, pelo sim, pelo não, recomendo-vos que sigam até ao poema baixo no qual Nuno Júdice fala com palavras sábias do que é o amor. Logo a seguir, abrindo a semana dedicada Händel, uma grande música, uma grande voz.]



Casal passeia rente ao Tejo, junto a um cacilheiro que atraca junto ao Cais de Cacilhas,
no início do Ginjal (e Lisboa logo ali)



                                Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
                                que se despeja no copo da vida, até meio, como se
                                o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
                                como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
                                boca. Pergunto onde está a transparência do
                                vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
                                de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
                                são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
                                da alma suja de restos, palavras espalhadas
                                num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
                                hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
                                esperando que o tempo encha o copo até cima,
                                para que o possa erguer à luz do teu corpo
                                e veja, através dele, o teu rosto inteiro.


                                ['Plano' de Nuno Júdice in Poesia Reunida]

4 comentários:

  1. Amiga:
    Belíssimo o poema de Nuno Júdice.
    Sábias as suas palavras.
    Vieram-me à ideia, as palavras da "Habanera" da Carmem de Bizet:
    "L'amour est un oiseau rebelle
    Que nul ne peut apprivoiser,
    Et c'est bien en vain qu'on l'appelle
    S'il lui convient de refuser.
    Rien n'y fait menace ou prière,
    L'un parle bien, l'autre se tait,
    Et c'est l'autre que je préfère,
    Il n'a rien dit mais il me plaît.

    É isto o amor, sem grades, nem coleiras.
    Beijinho
    Mary

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    1. Não conhecia estas palavras, ou melhor, nunca lhes tinha prestado atenção. Mas são sábias. Tal e qual, é isso mesmo o que diz, sem grades, sem coleiras. Não vale a pena implorar, cercear, chatear, moer: ou é uma coisa de gosto, natural ou então paciência, não dá.

      Obrigada pelas palavras da Habanera!

      Um beijinho, Mary!

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  2. Olá cara UJM:

    O amor, o amor… essencial à vida como o ar que respiramos, e por isso uma preciosidade mas tão trabalhoso, um combate de todos os instantes (no bom sentido).
    Em Cada idade, em cada tempo, para cada um, o amor pode ser diferente, assumir diversos graus, ter várias velocidades, mas para se conseguir “a transparência do vidro, a pureza do líquido inicial” em qualquer idade, em qualquer tempo para qualquer um, o amor tem de se conjugar sempre com verdade, confiança, atenção e tolerância.
    E depois há o tempo, esse sim um verdadeiro mestre da sabedoria
    E é tão bom o amor...

    Abraço amigo da
    Luísa sobe a calçada

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    1. Olá Luísa que cá vem subindo a calçada,

      Concordo que é uma coisa variável consoante os 'actores', as idades dos 'actores', as circunstâncias.

      Mas penso que o essencial é gostar-se mesmo e querer que esse gosto perdure. A verdade, a confiança, etc, são decorrências e não objectivos. Se os intervenientes transformam isso em objectivos acabam a maçar-se um ao outro. Se uma pessoa quer saber tudo o que a outra faz, com quem fala, o que disse, onde foi, espiolhando o telemóvel, os bolsos, etc, tudo em nome da 'verdade' ou da 'confiança', cá para mim está o caldo entornado.

      Eu sou defensora da liberdade em geral, sabendo que só fica quem quiser ficar. Pode acontecer que ambos queiram ficar décadas a fio e aí é uma maravilha.

      Mas tem razão, o tempo ensina muito e o amor verdadeiro melhora e muito e com o tempo.

      Também acho que o amor é o combustível que nos move.

      Um abraço, Luísa!

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