Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

26 abril, 2012

A escrita é uma valsa, blusa sem alça


De entre os espinhos nasce uma rosa. Flor única, única nascida deste pé de roseira, esta é a rosa que, entre silêncios e ventos, afronta medos, assombros, a solidão das tardes de pasmo, a solidão fria das noites de sombrias figuras rente a muros desolados.

Encarnada, macia, cheia de folhos perfumados esta é também a rosa que, da varanda, espreita veleiros brancos, tisnados marinheiros, elegantes gaivotas, a lua, o sol e o tempo que foge.

Por ela passam vozes soltas, gritos lancinantes, risos livres, palavras aladas, poesias imaginadas, músicas sonhadas e ela, rosa bailarina, ondulante ao som da aragem e das ondas, ali está aninhada, subtil. E forte. 

Rosa única no meio de um horizonte imensamente belo, esta é uma rosa forte, vencedora, e, também, uma rosa que acolhe entre as suas pétalas caprichosas palavras sem dono, palavras capitosas, palavras que se estendem, sôfregas, sobre o papel. Esta é uma rosa muito feminina, uma rosa fogo, uma rosa mulher. Até porque uma rosa é uma rosa é uma rosa.


[Abaixo da rosa poderão ver a Quimera de Ana Marques Gastão e, logo abaixo, a Norma de Bellini empresta a sua magia ao jardim selvagem que rodeia a rosa]


Veleiro quase invisível num Tejo cintilante avistado de entre uma roseira quase brava
no pequeno jardim abandonado no antigo posto da Guarda Fiscal


                       Arde em palavras-asa,
                       a rosa acidulada.
                       Leva-me, ofendida, o poema
                       e eu repito o ritual.

                       Somos o sol e a lua,
                       o rei e a rainha,
                       a escrita é uma valsa,
                       blusa sem alça,
                       fractura d'um salmo
                       que amacio no papel.


                       ['Quimera' de Ana Marques Gastão in Adornos]

8 comentários:

  1. Amiga,
    Lembrou-me Brel:
    Rosa rosa rosam
    Rosae rosae rosa
    Rosae rosae rosas
    Rosarum rosis rosis.
    Bécaud:
    Toi qui marches dans le vent
    Seul dans la trop grande ville
    Avec le cafard tranquille du passant
    Toi qu'elle a laissé tomber
    Pour courir vers d'autres lunes
    Pour courir d'autres fortunes
    L'important...

    L'important c'est la rose
    L'important c'est la rose
    L'important c'est la rose
    Crois-moi.

    A flor mais cantada, mais amada, mais linda.
    Et oui:L'important c'est la rose.
    Beijinhos
    Mary

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mary,

      Gosto muito de flores e, em particular, gosto muito de rosas, da tua macieza, do seu perfume, das suas pétalas que se cobrem umas às outras. Gosto de escrever sobre rosas.

      Gostei imenso que aqui tenha traduzido esse poema pois pensei nele quando estava a escrever.

      Um beijinho, Mary.

      Eliminar
  2. Cara UJM:
    Que floresçam rosas! Vermelhas, encarnadas! Renovadas. Rubras, coradas! Alegrias partilhadas!

    Tenha uma boa noite.
    abraço da
    Luísa sobe a calçada

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Luísa subindo a calçada,

      Só agora consigo responder e agradecer o seu comentário, as suas belas palavras, um poema.

      Como escrevi acima gosto imenso de rosas. E prefiro as encarnadas. Mas também gosto muito das rosas cor de chá.

      Quando a minha filha casou a sala onde decorreu o copo de água estava decorada em branco e chá, e as flores eram rosas chá. Estava um ambiente lindo, delicado, suave.

      Obrigada, Luísa.

      Eliminar
  3. Pôr do Sol29 abril, 2012

    Cara Jeitinho,
    A propósito de rosas e do seu amor por elas, deixe-me contar-lhe o que foi hoje o meu raiosinho de Sol neste sabado triste.
    A caminho de casa, depois de um passeio no parque, a minha neta nos seus recentes cinco anos pergunta-me:
    Vovó antes de chegarmos a casa pudemos passar numa roseireira?
    Não atingindo o que ela queria, perguntei, e o que vamos lá fazer?
    Comprar uma rosa para a Mamã!
    Fiquei emocionada e o avô explicou-lhe que quem vende flores chama-se florista. Aceitou mas respondeu: mas esta é uma rosa!
    Um Beijinho e um bom domingo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Pôr do Sol,

      Mas roseireira é uma palavra fantástica...! Deixe a princesinha dizê-la... O Mia Couto acharia deliciosa essa palavra e iria direitinha para um dos seus contos.

      'Uma senhora roseireira que vende rosas para a princesinha oferecer à sua mãe' - acho delicioso.

      Esta sua história iluminou ainda mais a minha rosa do Ginjal. Será que a uma pessoa que gosta muito rosas também se pode chamar roseireira...? Eu gostava.

      Um beijinho para si e para a sua menina das rosinhas, querida Sol Nascente.

      Eliminar
  4. Querida UJM

    Nunca me ocorreu uma coisa destas: 'A escrita é uma valsa, blusa sem alça'. E não é que é mesmo? As palavras dançam, rodopiam, numa evolução sem fim. Com elas podemos ir até até ao fim do mundo, até ao infinito. E, pelo caminho, encontrarmos a tal rosa, a rosa que consegue elevar-se acima dos espinhos e mostrar toda a sua beleza e todo o seu perfume. Não há dúvida, 'l'important c'est la rose'...(querida Maria.) :)

    Beijinhos e um bom resto de domingo.

    Olinda

    ResponderEliminar
  5. Querida Olinda,

    Eu também adorei esta expressão 'a escrita é uma valsa, blusa sem alça', adorei. E acho que uma rosa que se desvenda em pétalas que são como véus, que perfuma, que ondula ao vento é também uma valsa, uma blusa sem alça. Palavras e flores a iluminarem a nossa existência.

    Gosto muito de escrever sobre palavras. É como se fossem seres com autonomia, com vontade própria.

    Um bom resto de domingo também para si, Olinda. Um beijinho.

    Um beijinho

    ResponderEliminar