Gosto das manhãs, gosto da luz, dos dias abertos, desnudos, impúdicos. Gosto de flores, de árvores, de folhas, de frutos, do sumo que escorre dos frutos, gosto dos pássaros que se passeiam entre nós, ou que se escondem nas árvores ou que atravessam os céus. Gosto de crianças correndo nas manhãs floridas, gosto de animais brincando no meio das crianças, gosto do sol iluminando as crianças ao pé das flores perfumadas, gosto da beleza inocente e pura.
Gosto.
Mas gosto ainda mais da tarde e da noite, gosto do mistério das sombras, gosto do mar encapelado, do rio indómito, bravio, gosto das árvores desenhadas contra os céus escuros, gosto da gente que se recorta, com sobranceira valentia, contra a magnífica paisagem, gosto das sombras que avançam solitárias para dentro da noite.
Aos sorrisos bentos, às vozes mansas e temperadas, aos meio gestos e às palavras brandas, prefiro a gargalhada, o grito, os peitos abertos, os murros na mesa, os beijos apaixonados.
Gosto de ver a vida de frente, gosto de entrar por dentro do cenário, gosto de ver a gente corajosa que avança mar adentro, que apanha frio, que sofre o vento, tempestades se necessário for, apenas para apanhar um pequeno peixe. (O peixe que alimentará a família)
E gosto de palavras, gosto de poemas que gostam de palavras, gosto de pessoas que gostam de poemas, gosto de pessoas que se perdem por palavras, que olham de frente as palavras, que as defrontam, as desafiam. E gosto, ah mas quanto eu gosto...!, gosto muito da vida, da vida inteira, da vida que não se rende à brandura dos dias.
[E logo abaixo do homem suspenso sobre o Tejo, pode encontrar toda a emoção de Uma lágrima - Mussorgsky, claro]
Pescador sobre um Tejo agitado, de frente para Lisboa, num fim de dia frio, com pouca luz |
Desconfio dos poetas
que falam muito de luz, das
manhãs e das árvores
na sua obsessão hospedeira
de frutos aves e
folhas. Desconfio dos que cantam
lareiras e vozes mansas, tentando
apaziguar o poema com a sua
indústria de incensos. Eles
encenam como velhos profetas
tardias formas de beleza
extinta - e fazem do verso
um ritual nado-morto
de pequenos afectos,
indiferentes à faca
incandescente que separa
o corpo das palavras
da substância do mundo.
[Quebra-luz de Inês Lourenço in Câmara Escura]
"Desconfio dos poetas"
que desconfiam dos poetas que cantam a paz das manhãs claras
ou as árvores que renascem
as águas que murmuram
antigas histórias de amor ou de saudade
deixem em paz os poetas
na sua eterna inquietação
na revolta
no silêncio
no grito
ou apenas na contemplação...em liberdade
[Poema da autoria da Poeta 'Era uma Vez' in comentários aqui abaixo]
uma arte poetica pessoal do poeta inês lourenço
ResponderEliminarCaro Patrício,
EliminarÉ, de facto, uma visão pessoal. Há cada vez mais pessoas que gostam de viver envoltas em sombras. E é verdade que vidas aparentemente sempre em festa são, muitas vezes, meras encenações (vide revistas do 'social')
Eu, que gosto de sol, luz, espaços abertos, percebo pessoas assim pois tenho também (embora não exclusivamente!) um certo fascínio pelo silêncio, pela noite.
Mas, enfim, gostos são gostos e aliás, às vezes, é coisa transitória.
"Desconfio dos poetas"
ResponderEliminarque desconfiam dos poetas que cantam a paz das manhãs claras
ou as árvores que renascem
as águas que murmuram
antigas histórias de amor ou de saudade
deixem em paz os poetas
na sua eterna inquietação
na revolta
no silêncio
no grito
ou apenas na contemplação...em liberdade
Erinha,
EliminarJá a elevei para o lugar em que, por estas bandas, se sentam os Poetas.
E está no sítio certo por forma a exercer o contraditório de viva voz.
Que às trevas se sobreponha a luz, que às noites agrestes se sobreponham as manhãs claras - ou vice versa.
Quem sabe transformar a vida em poesia pode tudo e aqui são todos muito bem vindos.
Obrigada, Erinha, e um beijinho.
Obrigada Jeitinho
ResponderEliminarAmabilidade sua.
Uma Páscoa de Paz para si e para todos os que têm a imensa sorte de a ter por perto.
Bj.
Erinha,
ResponderEliminarClaro que eu é que tenho que agradecer.
Obrigada pelos votos de boa Páscoa e retribuo (vamos estar todos juntos e vai ser aquela confusão e reboliço que se sabe mas que alegria...!). Que seja um dia bem passado para si e para os seus. Beijinhos a todos, em especial às coelhinhas pataniscas.
:)
ResponderEliminarE eu só posso dizer: GOSTO! O seu texto diz tudo e gosto disso tudo...
Desejo-lhe uma Páscoa Feliz.
Beijinhos
Olinda
Muito obrigada, Olinda.
EliminarO mundo é cheio de claros-escuros e todos os momentos têm a sua beleza. saibamos, pois, amar a vida.
Um bom Dia de Páscoa também para si e para os seus.