Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

08 março, 2012

E esta mulher de novo vencedora, destemida, ousada, florida, desfilou finalmente pelas praças e ruas da cidade como se fosse muito muito amada


E então a mulher abriu os braços, abraçou o céu e o mar, encheu o peito de ar, acariciou o veleiro branco, e deixou-se amar.

E então, seguindo as aves de grandes asas brancas, deixou-se ir, livre e, ao regressar, acompanhada, abriu o coração e deixou-se amar.

Outras vezes, sozinha, a mulher olha-se ao espelho nas águas íntimas do mar e sorri para si mesma, e deixa que o vento a afague e deixa que o sol a banhe e invada e, respirando o ar puro e azul, ama-se a si própria, mulher de si própria.

Olha os veleiros que passam, neles talvez vá o seu amor, ou talvez a sua alma guerreira ou talvez o seu coração à espera de ser aninhado, e sorri pensando que um dia voará até lá, mulher pássaro de grandes asas brancas, mulher pronta para o amor.

E sempre, mulher de si própria, orgulhosa e digna, peito forte, cabeça erguida, a mulher caminha em frente, percorrendo o caminho que se faz ao caminhar. Ela e muitas outras, tantas mulheres. Tantas mulheres caminhando de frente para o mundo, coração aberto, olhar doce. Mulheres que se levantam uma e outra vez, mulheres felizes que conquistam o seu mundo.



[É com muito orgulho e particular emoção que hoje aqui coloco o poema que a minha querida amiga Era uma Vez tão generosamente  me deixou nos comentários. Com toda a sinceridade lhe agradeço e aqui elogio a sua escrita poética, uma escrita tão natural, tão espontânea, tão sentida. Tomara que não demore a ser uma Poeta muito conhecida. Depois do poema, como sabem, encontrarão Mahler]

Rente ao Tejo de frente para o Cristo Rei com um veleiro de permeio,
uma mulher abre os braços, feliz, livre


                    Ela esperou o dia inteiro
                    as mãos frias e suadas
                    quem sabe hoje ele vai ligar
                    afinal há tanto tempo que ameaça
                    como se faltasse um pouco mais de nós
                    apenas um quase quase nada
                    pra voltar

                    Oito de março
                    é sempre nome de mulher
                    ele há-de ouvir na rádio
                    ele vai saber
                    e não...
                    não pode ter esquecido 
                    cada momento divertido
                    ardente
                    cada vez que a gente
                    se abraçou a ver o mar

                    e o dia foi andando devagar...

                    Seis da tarde
                    parece haver festa em cada florista
                    eles, formais, alguns muito aprumados
                    outros impacientes
                    (enjoados)
                    outros sem jeito arriscam uma graça

                   "Rosas vermelhas é o que sai mais
                    mas há narcisos, lírios do campo e tantas outras"
                    balbucia fatigada a rapariga
                    enquanto amarra mais um laço
                    e limpa as mãos ao avental

                   e ela espera
                   pacientemente...
                   em silêncio chega a sua vez
                   E a senhora? O que é que vai ser?
                   (até que enfim)
                   É só dizer

                   Quero aquela orquídea branca provocadora transparente
                   linda de morrer...
                   E é só?
                   Sim
                   É para oferta?, 
                   Claro! É para MIM

                   E esta mulher de novo vencedora, destemida, ousada, florida
                   desfilou finalmente pelas praças e ruas da cidade
                   como se fosse muito muito amada...



['Desamor' de Era uma Vez, publicado no comentário do post abaixo]




DESAMOR/ O CONTRADITÓRIO

Correu
tropeçou
passou sinais
ultrapassou
ensaiou desculpas promessas coisas mais...

Não está?
Já saiu?
E agora?
Sei lá?
O senhor é que sabe...
(há cada um!)

Então olhou a rua sofredor
desapontado
escondeu a flor rapidamente entre os jornais
quase envergonhado
Gente muita gente
Gente a mais
e de repente
entre dois passeios
Ali, a dois passos mal contados
passa ela radiante, ostentando uma flor branca e transparente

(Já não se lembra da gente)
Como pode ter acontecido
Então e cada momento
divertido e ardente
quando 
o nosso abraço ia ver o mar?

Demasiado tarde
aquele seu ar destemido,ousado,florido
é sinal que tudo está esquecido
e o seu requebrado na calçada
é de mulher(de novo) muito muito amada...




[Da mesma autora, Era uma Vez, a quem uma vez mais agradeço e elogio, 'repescado' de um comentário a este post]

15 comentários:

  1. Erinha, para o caso de não ver o comentário que escrevi no post abaixo: em nome de Era uma Vez ou no seu nome mesmo? Diga-me como prefere que eu farei como quiser. E, uma vez mais, muito obrigada e parabéns pelo poema. Estou toda contente por o ter publicado...!

    ResponderEliminar
  2. poderia ser cantado por chico buarque, escrito parcialmente por vinicius de moraes, bonito poema ou balada o do comentário abaixo e aqui honrado

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esta senhora-mulher-poeta escreve poesia com uma facilidade fantástica. É uma honra para mim ter aqui um poema dela.

      Eliminar
  3. ERA UMA VEZ08 março, 2012

    Querida Jeitinho

    é uma honra puder escrever nos caminhos que nos abre...
    Um imenso abraço

    Isabel Oliveira Marques

    ResponderEliminar
  4. Cara UJM:

    Agradeço a todos os poetas as palavras que me alimentam!

    Luísa sobe a Calçada

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Luísa sobe a calçada (e às vezes muda de nome e vai pela verdura...?),

      Também eu agradeço aos poetas. Como lhes invejo a capacidade que têm de bem seleccionar as exactas palavras para transmitir aquilo para que os outros precisariam de muitas palavras para dizer.

      Em nome de todos os Poetas que aqui tenho colocado agradeço (fazendo de conta que eles me passaram procuração para eu falar em nome deles...)

      Eliminar
  5. Querida UJM

    Gostei muito muito deste poema, da sua prosa e desta mulher vencedora, destemida, ousada...

    Excelente homenagem à Mulher. Obrigada a si e à autora do poema.

    Beijos

    Olinda

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Olinda,

      Muito obrigada pela parte que me cabe. Neste caso o mérito maior é o da Poeta (ou Poetisa) e que bem que ela soube descrever os estados de alma que tantas vezes tomam conta das mulheres e as derrubam. Neste caso, esta mulher corajosa encheu-se de brios e foi à luta. Um belo tributo e incentivo a todas as Mulheres.

      Um beijinho.

      Eliminar
  6. ERA UMA VEZ08 março, 2012

    Caro Patrício

    Falar de Chico e de Venicius é gentileza sua, mas lá que sabe bem...lá isso sabe!
    São especiais para mim há muito tempo.

    Muito grata. Fico contente.Muito.

    ResponderEliminar
  7. Erinha,

    Pode ir ver o seu mail, por favor?

    ResponderEliminar
  8. Cara UJM:
    As suas palavras trouxeram-me à memória o poema de
    Adolfo Simões Muller


    Malditos poetas, que disseram tudo
    e tudo tão bem dito!

    Malditos poetas, que me deixam mudo,
    sem um ai, uma súplica ou um grito!

    Raios os partam, cada qual maldito!

    Malditos, que roçaram no seu voo,
    com asas de veludo
    o infinito!

    Malditos poetas: Eu os abençoo...

    Não é desconsideração, antes uma necessidade de desagregação, se penso prosa Leanor, Luísa se sinto poesia.

    Luísa sobe a Calçada

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Luísa sobe que sobe a calçada,

      Que belo poema, que eu não conhecia, que bem exprime também o que eu sinto perante as suas palavras. Obrigada.

      Percebo a sua cisão: Leanor e Luísa, dias mulheres cantadas pelos poetas. Agora também me ocorreu a Lídia, por também começa por L.

      A poesia é a escrita 'limpa'. Gosto de começar a minha empreitada pelo Ginjal porque, ao escolher poesia e música, purifico-me e ganho inspiração.

      Eliminar
  9. ERA UMA VEZ10 março, 2012

    DESAMOR/ O CONTRADITÓRIO

    Correu
    tropeçou
    passou sinais
    ultrapassou
    ensaiou desculpas promessas coisas mais...

    Não está?
    Já saiu?
    E agora?
    Sei lá?
    O senhor é que sabe...
    (há cada um!)

    Então olhou a rua sofredor
    desapontado
    escondeu a flor rapidamente entre os jornais
    quase envergonhado
    Gente muita gente
    Gente a mais
    e de repente
    entre dois passeios
    Ali, a dois passos mal contados
    passa ela radiante, ostentando uma flor branca e transparente

    (Já não se lembra da gente)
    Como pode ter acontecido
    Então e cada momento
    divertido e ardente
    quando
    o nosso abraço ia ver o mar?

    Demasiado tarde
    aquele seu ar destemido,ousado,florido
    é sinal que tudo está esquecido
    e o seu requebrado na calçada
    é de mulher(de novo) muito muito amada...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Era uma Vez, fantástica Isabel!

      Que incrível? Gostei. Gosto destas reviravoltas em que, afinal o que parecia, não era.

      E vejo que a menina também gosta de pôr as mulheres como personagens vitoriosas...!

      Vou lá ao texto colocar uma chamada de atenção, para que os leitores não deixem de vir aqui ver esta outra visão dos factos...

      E que bem escreve, e como tudo lhe sai com esta naturalidade, fantástica!

      Eliminar
  10. Erinha,

    Afinal vou é pôr o poema lá em cima, ao pé do outro, é melhor.

    ResponderEliminar