A mulher caminhava sozinha, vacilante, olhava o rio sem se deter, olhava em frente sem nada ver. O andar hesitante, o rosto ausente. Na relva molhada um pequeno pássaro preto brincava e, no cais, dois pescadores conversavam, sem pressa, mas a mulher não lhes prestou atenção.
Depois, vagarosa, escolheu um banco no meio da vegetação e sentou-se. Olhava em frente sem se interessar. Depois olhou para baixo, para as suas próprias mãos vazias, e ali ficou em silêncio. Não reparou no verde intenso que a envolvia, não reparou no céu azul, no rio que levava veleiros, no gato de olhos verdes que por ali se insinuava. Era como se todas as coisas tivessem perdido o sentido.
Passei por ela e ela também não me viu, estava fechada no seu mundo desabitado. Ninguém caminhava na sua direcção. Talvez a mulher quisesse ouvir uns passos iguais aos que antes a procuravam, talvez quisesse ouvir alguém, de longe, chamar o seu nome, talvez quisesse que alguém chegasse e lhe dissesse palavras de amor.
Então ouvi uma voz que vinha dali, uma voz em surdina, uma toada, quase um pranto. Aproximei-me. E ouvi um murmúrio: 'Já quase não sei o teu nome. Já quase não sabes o meu nome. Já quase não sei o nome que dávamos ao nosso amor, Chamo-te e não vens. Não me chamas, não vens.' E depois repetia 'Já quase não sei o teu nome. Já quase ...'
[Neste dia de coisas diferentes, passeemos até ao jardim onde a escritora se debate com a falta de alguém que responda ao seu chamamento. Depois sigamos até à bela música de Mahler.]
No Jardim do Ginjal |
Repito o teu nome. Até lhe perder o sentido.
Nas coisas forma-se outro nome.
Quem me ouvirá agora ao chamar-te?
Percebo então que o som dos cacos é uma coisa diferente
do som dos teus passos.
Contento-me com cópias como o escritor se contenta
com a falta das palavras.
['As Coisas diferentes' de Inês Fonseca Santos in 'As coisas', livro com uma cuidada edição e uma bela capa negra e ilustrações de João Fazenda]
como pode o escritor contentar se com a falta de palavras?
ResponderEliminarPatrício, meu Caro,
ResponderEliminareu acho que o escritor é um farsante... Tanto finge (e não vou invocar Pessoa...), tanto inventa, que, às tantas, faz de conta que consegue prescindir das palavras...