Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

26 janeiro, 2012

Vejo na incerteza do vento um convite à partida

 
Ah meu amigo, se soubesses a vontade que tenho de partir. Chego-me aqui, à beira deste rio tomado pelo azul do céu e deixo-me ir, mas apenas, meu amigo, mas apenas em pensamento. Espero que venha o vento, quase fecho os olhos e penso que ele me leva, tomara que me levasse.

Ah meu amigo, aqui estou mesmo à beira deste rio, e olho os veleiros que por aqui passam, chego-me, abeiro-me, talvez algum me leve, talvez o vento me leve até junto das alvas velas, ah meu amigo, e talvez no veleiro eu vá para longe, quero tanto partir.

E os veleiros passam, adornam, tombados pelo vento, e eu aqui, meu amigo, e eu aqui a olhá-los. E o vento traz-me as vozes que vêm do mar e eu quero gritar levem-me, levem-me, mas não grito, e em silêncio ouço-me a chorar ai de mim que não vou, ai de mim que não faço senão ficar.



[Ah meus amigos, acabei de escrever e até eu parece que fiquei com um grito estrangulado no peito - que entre, pois, o violino até porque a semana de Paganini está a acabar.]

À beira Tejo homem contempla o Tejo
e um veleiro tombado pelo vento


                                      Sigo o curso do vento,
                                      desconheço-lhe a feição,
                                      vendo na sua incerteza um convite à partida.
                                      Gosto da forma como chega e se instala.
                                      Assim, folgado de maneiras ou delicadezas
                                      marca o vinco da presença,
                                      sem que ninguém o possa ignorar.
                                      Potenciando o nascimento de novas formas,
                                      apadrinhando transformações
                                      das que se julgavam intactas.


[Poema de Patrícia Aguiar in '190 minutos aqui', belo livrinho com ilustrações de Marisa Benjamim]
   

5 comentários:

  1. Cara UJM:

    Deixo-lhe o poema seguinte, quentinho, nascido do seu post. Não tem que o publicar.

    Saudações cordiais,

    J. Rodrigues Dias

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  2. O mar…

    Entre raízes nasce um rio
    E nasce um homem…
    Entre dedos escorrem
    E ao caminho de pedras se fazem
    E no caminho traçados refazem
    E enchem o peito olhando o leito…
    E das margens crescem
    E nas margens se nasce e se cresce…
    Enchem-se de orgulho!
    Depois, maiores o rio e o homem,
    Mais eles saltam e mais correm
    E mais endurecem
    E em certos dias loucos mais se enfurecem
    E livres pensam no poder que são
    E no que terão…
    Por caminhos antes traçados largos aí vão
    (Mal eles sabem que gastos de outros já estão…)
    E descobrem outros mundos…
    Fazem festas afogueadas,
    Cantam nas pedras sobre que passam
    E continuam inebriados…

    Depois, um dia,
    Muitos dias decerto depois,
    Primeiro quase sem se aperceberem,
    Depois como em choque de morte,
    Sente cada um, cada um, que já não corre
    E depois que já nem quase se move…
    Sentados, ambos,
    Olham o mar enorme
    Que os engole,
    Parados,
    Enquanto um veleiro se move…

    José Rodrigues Dias, 2012-01-27

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  3. Lindo, lindo! Como nasce um poema assim, tão límpido?

    Fico até emocionada ao ler um poema assim tão límpido, sabendo ainda por cima que, de alguma forma,nasceu do meu post.

    Escuso de lhe dizer que obviamente pode usar também esta minha fotografia.

    Adoro fotografar, adoro. E adoro dispor poemas, fotografias, e depois escrever qualquer coisa sobre isso. E, sabendo que as minhas fotografias podem suscitar o surgimento de poemas, fico até emocionada (estou a repetir-me mas é o que é)

    Não vou agora publicar o seu poema porque à sexta feira dou-me um bocadinho de descanso (só faço isto dos blogues tarde e más horas e fico com um tremendo défice de descanso, à sexta geralmente estou KO, respondo aos comentários e, se tiver força, escrevo no UJM) mas, se calhar um dia destes, lá o porei.

    Obrigada!

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  4. Olá, UJM

    As primeiras palavras do texto, que li lá no meu painel, disseram-me que isto prometia. E é verdade.Li e senti o mesmo sufoco e a vontade de partir mas ter de ficar, seguindo nas asas do vento de cabelos esvoaçantes e olhando o horizonte. Os seus textos são belíssimos e os poemas em que se inspira mostram como os selecciona com desvelo.

    Quanto a Paganini, tenho-lhe um certo apego. Em tempos houve uma série uma TV, sobre a sua vida.O artista que desempenhava o seu papel tocava tão bem o violino, com tanta maestria que nunca mais o esqueci.Isto quer dizer que voltarei para ouvir a sua música com vagar, para o apreciar na sua justa medida.

    Bj
    Bom fim de semana.

    Olinda

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  5. Olá Olinda, de xaile de seda com colar de pérolas e com uma arca cheia de palavras em festa,

    As suas palavras são sempre muito afectuosas e um grande incentivo.

    Mas tenho que lhe confessar que a escolha dos poemas não obedece a grandes cuidados. Tenho a minha mesa onde escrevo cheia de livros de poesia (de cujos autores gosto) e tenho ao lado uma estante também só com livros de poesia (de que gosto, claro, pois se os comprei é porque a leitura em diagonal na livraria me agradou) e, quando à noite me sento para escrever, pego num livro um bocado ao acaso, folheio e espero que algum dos poemas me 'afecte'. Isto dura dois ou três minutos, vá lá 5 no máximo. Depois transcrevo, escolho uma fotografia e, sem pensar (mas isto é mesmo verdade) desato a escrever, como se a coisa estivesse ali pronta para sair, e pronto, está feito. às vezes acabo de escrever e estou mesmo 'apanhada', como se aquelas palavras me saíssem do peito, ou como se a história que interiorizei fosse a minha. Respiro fundo e passa.

    Já o disse várias vezes: sou intuitiva, repentista (pouco dada a reflexões, a estudos ou preparações prévias, ou a perfeccionismos). E nem tenho gosto por voltar a ler o que escrevi.

    (Cada maluco com a sua mania, não é...? Esta é uma das minhas...)

    E dali sigo, já satisfeita por ter feito uma coisa de que gosto tanto, para o Um Jeito Manso.

    Por tudo isto, sabe-me sempre muito bem ler palavras de apreço (mesmo que receie que não as mereça muito, porque não resultam de um trabalho muito apurado...).

    Muito obrigada, Olinda, um beijinho.

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