Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

13 dezembro, 2011

É pelo rodopiar das folhas no chão que saberás que este tempo chegou

 
Agora os dias acabam cedo. Com o cair do dia caem as últimas folhas, mergulham no rio as últimas aves, cai a nostalgia sobre as pessoas. Caminham sozinhas e seguras as mulheres ao encontro dos amantes previstos, caminham sozinhas e inseguras as mulheres a quem ninguém espera.

Caminho por aqui, à beira deste rio silencioso, dourado, um veludo macio. Vou sozinha. Ninguém me espera.

Mas, enquanto caminho sozinha, sei que estou à tua espera.

Sabes que nestes dias assim, em que as caem as últimas folhas, em que a noite avança mansa e secreta, eu saio pela beira do rio à tua procura. Sabes que, nestes dias assim, os deuses te levarão ao meu encontro, sabes que eu estarei na beira do rio, na escada que sobe das águas, estarei esperando por ti, mulher pássaro, mulher com cheiro a mar.

E vou caminhando, devagar, a dar-te tempo. A tua bússola secreta conduzir-te-á até mim. Não tenho pressa.

E então, apesar de ser quase noite, vejo-te. Caminhas na minha direcção - ah não, os deuses ainda não partiram - e eu vou dizendo baixinho, em festa, 'meu amor, meu amor, meu amor' e tu vens, como se viesses do fim dos tempos, e, de longe, quando me vês, sorris, e abres os braços e eu só não corro para ti porque quero que o momento dure. Sorrio, feliz. É outono, as folhas rodopiam no chão, entardece, cheira a maresia, sopra uma aragem suave, está tudo certo, e tu vens na minha direcção e, então, quando chegas perto de mim, baixas-te, e eu ouço as ondas ao de leve e vejo que escreves no chão a palavra pela qual toda a vida esperei. Em torno dela erguerei um templo e, dentro desse templo sem paredes, seremos felizes.



[E porque de alegria e sonho se fala aqui, sigam por favor, para a sonata de Mozart - mas obviamente apenas depois do poema de Ivone Costa, logo abaixo da fotografia]


Os deuses não partiram
(À beira Tejo numa tarde de Outono em Belém)


                             É pelo rodopiar das folhas no chão
                             que saberás que este tempo chegou.

                             Porque apontam as certezas
                             saberás que as bússolas não dormem.

                             Porque se cruzam os caminhos
                             saberás que os deuses não partiram.

                             Dá-me a tua mão
                             e eu mostro-te a escada
                             por onde subiram os séculos.

                             Dá-me uma palavra
                             e eu escreverei o teu nome
                             nas ruínas de um templo,
                             esquecido nas escarpas
                             onde batem as ondas.


(Poema VI de '5. Contos de Fadas' de Ivone Costa in Ordem Breve, produção e edição de João Carlos Lopes, a quem muito agradeço o ter-me enviado o belo e cuidado livro)

2 comentários:

  1. E logo antecedida de Eugénio e Sophia. O que me vale é a benevolência deles!
    Muito obrigada.

    ResponderEliminar
  2. Aqui, neste meu recanto à beira Tejo, só entram os meus eleitos, aqueles de que gosto mesmo. Sophia, Eugénio, Herberto, Pedro Tamen, Manuel António Pina, etc, etc.

    Agora juntou-se-lhes, por mérito próprio, Ivone Costa. E, por mim, está aqui lindamente.

    Parabéns pelos seus belos poemas.

    ResponderEliminar