Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

07 novembro, 2011

Para que conste: sorrio agora perante as marés

      
Percorro as margens do rio. Às vezes está frio, o vento quase corta, outras vezes está uma aragem suave que me faz ter vontade de voar. Outras vezes chove, outras faz um sol que nunca queima porque o ar do rio nos refresca, e eu vou pensando em ti, nas tuas palavras que ainda sei de cor, na tua voz sorridente. Tenho-te amado de memória, mansamente como sei que tu, meu amor, me amas ainda a mim, um amor cada vez mais desfocado, mais longínquo. Recordas também ainda as minhas palavras? Ainda te sentes amado, aindas sentes um súbito estremecimento quando assomo à tua memória? E, se acordas de madrugada, ainda pensas em mim, ainda te lembras do meu perfume? Adormeces sorrindo, abraçado à memória de mim?

Vou andando por aqui e é nisto que vou pensando, vê tu. E, de vez em quando, paro, olho o rio, e, pensando em nós, tão ternamente adolescentes, sorrio perante as marés. Outras vezes não consigo sorrir, preferia que aqui estivesses comigo, vê tu.

No Ginjal, mulher olha o rio, pensa e não sorri - está triste


                             Para que conste:
                             dentro de ti ouve-se
                             um súbito estremecimento,
                             mas não sou capaz de dizer
                             de cor a tua poesia reunida,
                             e tenho a impressão de que
                             apenas me amas de memória.
                             Tendo amado mansamente
                             a morte, e no escuro esquecido
                             a arte e a madrugada, sorrio
                             agora perante as marés.


                             (Poema de Ricardo Gil Soeiro in 'Espera vigilante'

  

4 comentários:

  1. Uma bela perspectiva para mim, eu que adoro o rio (Tejo) e essa zona tão mítica, para mim, de Lisboa.

    Belíssimas palavras as suas e o poema que também nos fala ao coração, de um autor que não conhecia.

    Bj

    Olinda

    ResponderEliminar
  2. Que bela entrada, esta, hoje...

    (Também queria dizer que gostei muito das novas cores do Ginjal, combinam muito bem!9

    ResponderEliminar
  3. Olá, Olinda, e olá Leitora,

    Também não conhecia este poeta, descobri o livro há dias e vi que tem como data de edição Setembro 2011. Foi uma bela descoberta e os seus poemas inspiram-me.

    Este local, mesmo em cima do Tejo e de frente para Lisboa onde posso fazer sempre diferentes fotografias, uma paixão para mim, é um local que também me inspira. Não sei se o que me sai, quando aqui escrevo, tem alguma qualidade, se é uma 'conversa mole' sem qualquer interesse. Mas também não me preocupo muito com isso porque o que é, de facto, é um prazer para mim. Gosto de escrever 'sem agenda', ao sabor do que me ocorre ao ler um poema que escolho ao acaso.

    Tenho a mesa carregada de livros de poesia e, ao sentar-me aqui, abro um ao acaso, escolho um poema, copio-o, escolho uma fotografia das muitas que tenho e desato a escrever, sem pensar .

    Mas, por ser um exercício tão desprendido, fico particularmente contente quando vejo que alguém gosta do que saíu... Até me sinto um pouco sem jeito porque, para mim, é como se o que aparece escrito e conjugado com o poema e com a fotografia, resultasse de um acaso pelo qual não sou muito responsável.

    Mas, muito obrigada pelas visitas, muito obrigada pelas vossa palavras.

    Um beijinho.

    ResponderEliminar
  4. Conforme lhe disse no comentário ao seu último post, acho este exercício lindíssimo. Nós que vimos aqui é que somos uns privilegiados ao permitir-nos ler as palavras que lhe saem tão espontaneamente.

    E confesso-lhe que me sinto aqui muito bem ... :)

    Bj

    Olinda

    ResponderEliminar