Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 novembro, 2011

E de repente o teu nome deixou de desaguar no rio que te fazia nascer dentro de mim

 
Os dias vão passando, os meses, os anos, e o teu sorriso já não habita o meu olhar. Adormecia contigo no meu coração, acordava preparando-me para as tuas alavras. Até que um dia, sem palavras que nos ferissem, afastámo-nos. Cada um na sua casa, cada um na sa vida e tudo com a naturalidade de quem sempre soube que assim seria.

As noites nunca foram para nós, os despertares também não. O nosso breve encontro seria, sempre o soubémos, fugaz, um amor num beco sem saída. Sem culpa nos amámos, sem culpa nos separámos. Assim quiseram os deuses e nós, obedientes, aceitámos que os deuses decidissem por nós.



[Amores, desamores. Partilhemos o momento com Leonora e Ferdinando em La Favorita que se (des)entendem ali mais abaixo, logo a seguir à Alice Vieira]


Hoje de manhã no Jardim do Ginjal, rente ao Tejo


Feliz é aquele que
tece o seu dia até ao fim
sem lágrimas

Álcman

                       E de repente o teu nome deixou de desaguar
                       no rio que te fazia nascer dentro de mim

                       e de repente ficámos muito longe      e as palavras
                       feriam mais do que as tempestades
                       e tu disseste que no meu corpo se escondiam
                       todas as ameaças e naufrágios      e que
                       nenhum deus conseguia aplacar-te a culpa

                      então entendi que não valia a pena
                      refazer a teia com que iludia a tua vinda
                      porque tinha chegado o momento de voltares para casa
                      entre o ladrar dos cães      e os galos que
                      anunciavam a manhã

                      e o rasto das cidades
                      onde tínhamos sido     deslumbradamente        perfeitos
                      transformou-se num beco sem saída       onde
                      a ira de todos os deuses me denunciava


                     (Poema de Alice Vieira in 'O que dói às aves')

 

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