Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

08 novembro, 2011

Aí estás tu à esquina das palavras de sempre, amor inventado numa indústria de lábios

   
Aqui estamos neste recanto do mundo, neste ninho solitário, aqui em cima onde ninguém nos vê, aqui estamos. É outono, chove, está frio, e nós aqui nesta esquina da vida, sem saída - sabemo-lo bem.

Aqui estamos, meu amor, os nossos braços tocam-nos, precisamos de sentir o calor um do outro. E, quando a noite cai, é uma dádiva, é um manto que cobre os nossos ombros, que nos encobre, e nós iludimo-nos pensando que à nossa volta todas as pálpebras se cerraram para nos deixar a sós, só nós dois e a nossa terna cumplicidade. E então beijamo-nos, e então os nossos lábios tocam-se, sem tempo, sem tempo, e o nosso coração aconchega-se no corpo um do outro.

Palavras de sempre, eu sei, palavras de sempre.

Mas tu, meu amor inventado, sorris e finges que estas são palavras também inventadas, que nunca ninguém antes ouviu. Sorris e eu acredito, sorrio também.

Meu amor.


No terraço, no cimo de uma escada, no jardim do Ginjal vendo o tejo, vendo Lisboa
 - ou, simplesmente, estando.


                           Aí estás tu à esquina das palavras de sempre
                           amor inventado numa indústria de lábios
                           que mordem o tempo sempre cá
                           E o coração acontece-nos
                           como uma dádiva de folhas nupciais
                           nos nossos ombros de outono
                           Caiam agora pálpebras que cerrem
                           o sacrifício que em nossos gestos há
                           de sermos diários por fora
                           Caiam agora que o amor chegou



('Acontecimento' de Ruy Belo in 'Cidadão de longe e de ninguém - Antologia Poética')
 

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