Aqui estamos neste recanto do mundo, neste ninho solitário, aqui em cima onde ninguém nos vê, aqui estamos. É outono, chove, está frio, e nós aqui nesta esquina da vida, sem saída - sabemo-lo bem.
Aqui estamos, meu amor, os nossos braços tocam-nos, precisamos de sentir o calor um do outro. E, quando a noite cai, é uma dádiva, é um manto que cobre os nossos ombros, que nos encobre, e nós iludimo-nos pensando que à nossa volta todas as pálpebras se cerraram para nos deixar a sós, só nós dois e a nossa terna cumplicidade. E então beijamo-nos, e então os nossos lábios tocam-se, sem tempo, sem tempo, e o nosso coração aconchega-se no corpo um do outro.
Palavras de sempre, eu sei, palavras de sempre.
Mas tu, meu amor inventado, sorris e finges que estas são palavras também inventadas, que nunca ninguém antes ouviu. Sorris e eu acredito, sorrio também.
Meu amor.
No terraço, no cimo de uma escada, no jardim do Ginjal vendo o tejo, vendo Lisboa - ou, simplesmente, estando. |
Aí estás tu à esquina das palavras de sempre
amor inventado numa indústria de lábios
que mordem o tempo sempre cá
E o coração acontece-nos
como uma dádiva de folhas nupciais
nos nossos ombros de outono
Caiam agora pálpebras que cerrem
o sacrifício que em nossos gestos há
de sermos diários por fora
Caiam agora que o amor chegou
('Acontecimento' de Ruy Belo in 'Cidadão de longe e de ninguém - Antologia Poética')
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