Estou a falar do poema ou estou a falar de mim?
Falo do azul de que me rodeio, falo das asas que voam sobre os grandes espaços, ou estou a falar de mim?
Falo do calor que me afaga, falo do céu que me envolve, dos veleiros que levam o meu pensamento e estou, sim, a falar de mim, estou mesmo.
Falo da paixão do poema, do teu olhar que me abraça em amor, falo das palavras do poema e falo das tuas palavras, falo da alegria do poema e falo do sorriso com que me olhas. Palavras. Eu e palavras.
Onde é que as palavras se desprendem de mim? Ou nunca se desprendem? Estão aqui a passar para o écran mas ainda as tenho presas a mim, posso recolhê-las, posso dispô-las de outra forma.
Sou eu que aqui estou. Sempre.
[Vamos ouvir a Ana Luísa Amaral que o diz melhor, ah muito melhor, que eu e depois, faça-me companhia, está bem? Vamos lá abaixo, hoje na Música no Ginjal it's Summertime, my friend]
No Ginjal, junto ao Tejo, Lisboa do outro lado |
Mesmo que fale de sol e de montanhas,
mesmo que cante os ínfimos espaços
ou as grandes verdades,
todo o poema
é sobre aquele
que sobre ele escreve
Quando os traços de si
parecem excluir-se das palavras,
mesmo assim é a si que se descreve
ao escrever-se no texto
que é excisão de si
Todo o poema
é um estado de paixão
cortejando o reflexo
daquele que o criou
Todo o poema
é sobre aquele
que sobre ele escreve
e assim se ama de forma desmedida,
à medida do verso onde a si se contempla
e em vertigem
se afoga
('Psicanálise da escrita' de Ana Luísa Amaral in Vozes)
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