Há dias assim, em que vivemos em função do nosso amor. Adormecemos a pensar na pessoa que amamos, revivemos momentos, sorrimos às doces recordações; no dia seguinte levantamo-nos a pensar no nosso amor, vestimo-nos, perfumamo-nos, preparamo-nos para seduzir, tudo pelo nosso amor. Vamos no caminho a antecipar o momento em que nos encontraremos e todo o tempo é apenas um longo compasso de espera até que conseguimos estar com o nosso amor. Então ficamos felizes por nos revermos e fazemos planos para prolongarmos o tempo juntos, imaginamos cenários em que vamos conseguir estar juntos, eu imagino-nos a passear num jardim, tu imaginas coisas mais prosaicas, e sorrimos e imaginamos, fazendo durar os doces momentos em que podemos estar perto um do outro, aspirar o cheirinho morno que se desprende dos corpos. Sonhamos com a noite que vamos ter só para nós dois, a noite fantástica dos nossos sonhos.
E a noite nunca mais chega.
(Vou ser realista: a nossa noite, meu terno e saudoso amor, nunca chegou, foi-nos roubada. Mas sempre existirá, sonhada, no mais fundo do meu coração)
[A seguir, desça comigo até aos claustros que esta semana erigi para os meus queridos amigos do Ginjal e Lisboa. Esta é a semana de todos os recolhimentos]
Gruas num cais em Lisboa |
Gruas no cais descarregam mercadorias e eu amo-te.
Homens isolados caminham nas avenidas e eu amo-te.
Silêncios eléctricos faíscam dentro das máquinas e eu amo-te.
Destruição contra o caos, destruição contra o caos e eu amo-te.
Reflexos de corpos desfiguram-se nas montras e eu amo-te.
Envelhecem anos no esquecimento dos armazéns e eu amo-te.
Toda a cidade se destina à noite e eu amo-te.
(Poema de José Luís Peixoto in Gaveta de Papéis)
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