Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

13 outubro, 2011

Quando toda a alegria for clandestina, alguém te dobrará em cada esquina?

  
Já não sei de ti. Já não sei se quando olhas as outras mulheres, mentalmente as comparas comigo. Dizias que lhes analisavas o rosto, o riso, a voz e que nenhuma era como eu. Dizias isso, voz baixinha, uma confissão, sorrias devagarinho, e eu acreditava e sorria: tontinho. E ficava enternecida. Dizias que, se ouvias alguém falar de mim, escutavas com atenção e ficavas todo orgulhoso se diziam bem, e eu ficava contente, acreditava, tu sorrias, um menino que confessava as suas fraquezas, uma menina que se sentia amada.

Agora que estás longe e que já não podes olhar para mim, ainda olhas as outras mulheres, comparando-as comigo? Ainda ficas à espera que alguém te traga notícias de mim? Ainda te lembras de mim?

Ouve, deixa-me contar-te: fazes-me falta para me dizeres tudo isso, faz-me falta a tua voz baixinha, sorridente, todo ternura, a tua voz que guardava uma alegria clandestina, faz-me falta a tua permanente vontade de me dobrar atrás de uma parede, atrás de uma porta, numa qualquer esquina.



[Apetece-me ir até ali abaixo, apetece-me ouvir boa música, desça comigo, vamos.]

Homem que se ausentou de si mesmo, ali, rente ao Tejo

                      Quando eu um dia decisivamente voltar a face
                      daquelas coisas que só de perfil contemplei
                      quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
                      Quem dará o teu nome a todas as ruas
                      que encontrar no coração e na cidade?
                      Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
                      no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
                      Quando toda a alegria for clandestina
                      alguém te dobrará em cada esquina?



('Quanto morre um homem' de Ruy Belo, cidadão de longe e de ninguém, in Antologia Poética)

  

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