Já não sei de ti. Já não sei se quando olhas as outras mulheres, mentalmente as comparas comigo. Dizias que lhes analisavas o rosto, o riso, a voz e que nenhuma era como eu. Dizias isso, voz baixinha, uma confissão, sorrias devagarinho, e eu acreditava e sorria: tontinho. E ficava enternecida. Dizias que, se ouvias alguém falar de mim, escutavas com atenção e ficavas todo orgulhoso se diziam bem, e eu ficava contente, acreditava, tu sorrias, um menino que confessava as suas fraquezas, uma menina que se sentia amada.
Agora que estás longe e que já não podes olhar para mim, ainda olhas as outras mulheres, comparando-as comigo? Ainda ficas à espera que alguém te traga notícias de mim? Ainda te lembras de mim?
Ouve, deixa-me contar-te: fazes-me falta para me dizeres tudo isso, faz-me falta a tua voz baixinha, sorridente, todo ternura, a tua voz que guardava uma alegria clandestina, faz-me falta a tua permanente vontade de me dobrar atrás de uma parede, atrás de uma porta, numa qualquer esquina.
[Apetece-me ir até ali abaixo, apetece-me ouvir boa música, desça comigo, vamos.]
Homem que se ausentou de si mesmo, ali, rente ao Tejo |
Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?
('Quanto morre um homem' de Ruy Belo, cidadão de longe e de ninguém, in Antologia Poética)
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